Por Denise Rothenburg* com Eduarda Esposito — O ex-governador de São Paulo e co-chairman do LIDE, João Doria, falou com jornalistas após o evento LIDE Brazil Development Fórum, que ocorreu hoje (8/9) na capital dos Estados Unidos, Washington DC. Confira agora as respostas do ex-governador sobre o tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil e sua opinião sobre a anistia.

O Brasil até chegou a sinalizar que vai adotar a reciprocidade em relação às tarifas. Como é que o senhor enxerga essa questão?

Mau caminho. A pior alternativa que o Brasil pode adotar é estabelecer reciprocidade. Porque isso não é reciprocidade, isso é agressividade. Você devolve, com a mesma agressividade que recebeu, ao país que erra e que comete o equívoco de ser agressivo, porque não há nenhum fundamento técnico para a medida que foi adotada pelo governo americano. Agora, o governo brasileiro adotar a mesma maneira de ser agressivo, isso não é contributivo. Isso só agravará ainda mais a situação do Brasil perante o seu segundo maior mercado de consumo e segundo maior parceiro comercial, que são os Estados Unidos da América.

Crédito: Will Volcov e Vanessa Carvalho/LIDE

Essa falta de relação entre os dois presidentes, ela não dificulta essa ação empresarial?

Dificulta. Há equívocos dos dois lados. Os dois lados tensionam as relações econômicas por conta de uma visão ideológica, uma visão política e não técnica. Portanto, ambos os lados estão falhando nisso. A começar do lado americano, que impôs ao Brasil uma sobretaxa de 50% de forma absolutamente injusta, imprópria, inadequada e sem nenhum fundamento. Não há nenhuma razão para que o Brasil, assim como outros países também, não é só o Brasil, sejam punidos com 50% por uma decisão unilateral, que não toma como base as relações econômicas e nem a balança comercial. E o Brasil não pode ter reação política em relação a isso. Deve ter a reação diplomática e, sobretudo, do privado com o privado. O que pode produzir resultados positivos de reversão dessa medida para o Brasil é a relação com o empresariado americano.

É possível fazer os seus negócios independentemente dos dois governos?

Claro que é possível. Vou dar um exemplo concreto que já aconteceu. A Embraer originalmente estava dentro do pacote e seria penalizada com 50% para venda das suas aeronaves para aviação comercial americana e aviação executiva aqui nos Estados Unidos. O maior mercado de aviões comerciais da Embraer são os Estados Unidos da América, para aviação executiva também. Isso foi revertido rapidamente, em 72 horas, por uma competência que eu destaco da Embraer junto às companhias aéreas americanas e junto a entidades privadas que são compradoras de aviões executivos da companhia, que contrataram a empresa de lobby aqui em Washington, e em 72 horas estava revertido isso.

O mesmo está sendo feito com a laranja, com café e com a proteína animal. Esse é o caminho, é o caminho do entendimento. É evidente que quando você sofre uma injustiça, é sempre muito difícil você não reagir impulsivamente, mas é a pior reação, é aquela que não se recomenda. É preciso ter uma reação cerebral planejada e articulada para mostrar aos americanos que o prejuízo de uma sobretaxa de tal ordem em diferentes produtos, sejam commodities ou não, prejudica fundamentalmente o americano, porque ele vai pagar mais por serviços ou vai pagar mais por produtos.

O senhor defende que o empresariado também faça esse papel de articulação para destravar a questão política?

Defendo porque já há uma animosidade política muito clara entre o governo brasileiro, o governo americano e vice-versa. Isso vem até do período da campanha eleitoral aqui para os Estados Unidos, onde o Brasil, naquele momento, fez uma manifestação contrária ao governo que foi efetivamente eleito aqui nos Estados Unidos, já criou ali um mal-estar preliminar. Isso subiu a temperatura de uma circunstância, repito, absolutamente injusta e até uma intromissão do governo americano em temas internos do Brasil.

Então, eu acho difícil que de governo para governo possamos ter bons resultados, mas defendo que a diplomacia seja mantida. Onde podemos ter resultados: do privado com o privado. Mas é um erro você insistir numa questão política onde você quer influir numa decisão do judiciário brasileiro, é uma questão política sem resolução. O judiciário brasileiro não vai se curvar a uma decisão à vontade do governo americano. Qual é a razão para isso? Aí independe de visão partidária, politizada, ideológica. Isso é uma intromissão. Imagina. É como se o Brasil determinasse, quisesse terminar o governo americano, que tivesse um outro tipo de comportamento sobre uma decisão do poder judiciário americano. Aqui também tem Suprema Corte e ela é um poder independente. Então, se política é isso, não vai funcionar.

O senhor acredita que uma possível condenação do ex-presidente possa agravar ainda mais esse quadro?

Eu espero que não. Não podemos antecipar qual será o julgamento final do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Mas eu imagino que não, quer dizer, eu desejo que não. Talvez haja um aumento de tensão se a pena for dura em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas mais uma vez eu continuo a defender que não se trata de uma questão do governo americano e do presidente Donald Trump desejar que haja um comportamento diferente da justiça brasileira. Não se esperaria que o inverso pudesse ser assimilado pelo governo americano.

Portanto, cada país tem a sua independência, acertando ou errando. Mas assim a democracia, democracia também erra, como também acerta. Então, é preciso preservar a independência e a autonomia dos países. E volto a repetir, o único caminho do ponto de vista das sanções econômicas, não estou falando do ponto de vista político, é o privado com privado, entidades e empresas privadas brasileiras reforçarem as suas relações, o seu diálogo com entidades e empresas privadas americanas. Esse é o único caminho que pode trazer resultados positivos de reversão naqueles produtos que ainda estão sob o tarifaço americano.

O senhor acredita que o presidente Lula deva ligar para o presidente Trump?

Na minha opinião, sim, eu não vejo razão para que o presidente Lula não dialogue com o presidente Trump, como também não vejo razão para que o presidente Trump não dialogue com o presidente Lula em alto nível. É o que se espera de dois presidentes da República que não se ofendam mutuamente e que se respeitem conjuntamente num diálogo produtivo. Eu entendo que o diálogo só constrói. Eu nunca vi o diálogo destruir. O que destrói é o conflito, o atrito, é a guerra. O diálogo constrói.

Então, como resolver de privado para privado, sendo que muitas empresas brasileiras são familiares no Brasil e talvez não tenham uma facilidade de negociação como grandes corporações?

De cada adversidade, você tem que buscar oportunidade. Diante de uma situação adversa, o setor cafeicultor está unido, não pode ter posições individualizadas, ele tem que estar unido mesmo. O pequeno produtor, ele tem que estar associado a uma cooperativa, uma federação, uma associação para poder validar a sua reivindicação, saindo da visão individual para uma composição coletiva, uma visão e uma defesa coletiva. O Brasil tem inúmeros produtos, pequenos produtores de café, como tem de vários outros produtos agrícolas, mas necessariamente em circunstâncias como essa, e mesmo fora delas, devem estar juntos.

Então vamos transformar essa situação adversa numa boa oportunidade para unir o setor cafeicultor brasileiro, como o setor também de produção de laranja e de concentrado de laranja e dos demais setores, mesmo a proteína animal, aí envolvendo também a carne de porco e a carne de frango, tem que estar unidos. A união ajuda, contribui e você individualmente fica fragilizado.

Crédito: Will Volcov e Vanessa Carvalho/LIDE

Tem avançado em Brasília a discussão sobre anistia. Qual é o seu posicionamento em relação a isso? O senhor é a favor da aprovação de uma anistia geral que inclua Jair Bolsonaro? O senhor é contrário? Qual o seu posicionamento?

Bem, eu não sou juiz, nem desejo ser, mas sou cidadão, sou brasileiro, amo o meu país, gosto do Brasil, atuei na área pública como prefeito, como governador e entendo que houve um certo exagero, do ponto de vista punitivo, àqueles que participaram de um movimento condenável, como foi o de 8 de janeiro. Foi um movimento que merece repulsa, porque aquilo não era um movimento celebrativo, era um movimento agressivo. Você invadia o Poder Judiciário, Executivo e Legislativo, não há justificativa alguma para isso. Mesmo que você tenha contrariedade, nada justifica a desobediência à lei. Mas eu entendo que houve medidas ali que acabaram sendo exageradamente fortes e isso criou e fortaleceu uma reação de parte da população brasileira contra as medidas do Supremo Tribunal Federal. Então, diria que reavaliar o tema da anistia, mas de maneira cuidadosa e não geral.

A questão geral significaria compreender que amanhã possamos ter uma situação igual e deveremos ter a mesma postura de entender que aquilo faz parte da normalidade. Seria como você imaginar que um grupo de pessoas invadisse a sua casa, ameaçasse de agressão a você, aos seus familiares, aos seus funcionários, quebrasse os objetos e levasse os pertences, e entendesse que isso merecesse uma anistia plena, geral e irrestrita, nenhuma penalidade. Não é correto. Não é justo. Você se sentiria dentro de um país, cidade, estado ou região sem lei e sem ordem. O Brasil não pode ser um país sem lei e sem ordem, mas é preciso dosar também a força da lei. Ela, quando é exagerada, provoca repulsas e uma reação da própria sociedade civil.

O senhor acredita que a anistia é um caminho para negociar o tarifaço?

Neste caso, sim, mas não por obediência a uma imposição americana, e sim por obediência ao bom senso e avaliação ao respeito a termos uma democracia sólida, como é a democracia brasileira, mas que também é preciso que o poder judiciário tenha sensibilidade na aplicação da lei. Mas eu não defendo uma anistia irrestrita.

Então, o senhor discorda da posição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas? Como viu a colocação de uma bandeira norte-americana durante a manifestação do 7 de Setembro na Avenida Paulista?

Eu não quero discordar dele, entendo a sua posição. Prefiro dizer que compreendo a circunstância em que ele faz manifestações do que condená-lo pelas manifestações que fez. E sobre a manifestação, senti que faltou uma bandeira brasileira do mesmo tamanho ao lado.

Agora o senhor acha justo misturar a anistia com a questão das tarifas, ou seja, uma questão política misturando com uma questão técnica?

A razão não seria a motivação da pressão americana no equívoco de sobretaxar commodities e produtos brasileiros em 50% por um fundamento político, mas entendo que seria uma forma pacificadora de uma dosimetria correta para, com isso, tentar pacificar o país. Eu acho que essa circunstância deve ser tratada sem vilipendiar, sem fazer rupturas com a lei, mas compreendendo que o Brasil vive um momento tenso e nós não podemos seguir nesse movimento de tensão e ampliá-lo ainda mais com a proximidade das eleições do ano que vem.

Nós precisamos ter compreensão, baixar um pouco esse nível de pressão, senão o país entra em ebulição. E nós estamos há 1 ano e 4 meses das eleições de outubro do ano que vem. Não é compreensível que uma situação como essa possa levar o país a uma ebulição pública, a circunstâncias até de confrontos em rua. Isso seria um desastre para o Brasil. Brasil não precisa disso. Eu volto a repetir, aliás, o que eu digo há 3 anos praticamente desde a posse do governo Lula: paz, entendimento, compreensão, diálogo e não o confronto e reações mais exasperadas, elas não são contributivas para a estabilidade do país e nem mesmo para a democracia brasileira.

O senhor não está defendendo uma relação direta, nem uma anistia que não seja geral do ponto de vista democrático no Brasil, mas não está ligando uma questão à outra?

Não, e definitivamente não. O Brasil tem autonomia. O Brasil não pode receber nem recado, nem instruções, nem ordem de um governo externo, seja americano, seja ele qual for. Eu entendo que uma medida de dosimetria é uma compreensão de que a lei pode ser aplicada, mas de uma forma mais ajustada àqueles que participaram do movimento de 8 de janeiro, mas pelo bem do país, não pelo bem dos Estados Unidos.

*Enviada especial

Denise Rothenburg

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