Visita ao sótão

Publicado em Crônica

                Quem resiste a uma pechincha? Nosso amigo estranhou o preço da casa, ou melhor de uma mansão, no Lago Sul; na verdade, desconfiou do valor tão baixo e mais ainda quando soube que o dono tinha projetado e construído o imóvel para atender as próprias exigências, com adega, sauna e até um quarto escuro, pintado de vermelho, que não podia servir para coisa boa. Era, portanto, uma casa sob medida, como um terno de alfaiate.

O corretor nem precisou se esforçar. Só teve o trabalho de mostrar algumas fotos e o negócio foi fechado, ainda mais depois que ele soube que o proprietário anterior não levaria nem os móveis e já estava longe. Escafedeu-se.

Recém separado, só mandou que fosse feita uma limpeza geral, caprichada, e uma lavagem integral com água misturada a sete ervas maceradas, porque mesmo sem acreditar em bruxas, sabe que elas existem. Se há quem acredite em urucubaca é ex-marido pego no flagra por uma mensagem, segundo ele, mal interpretada no telefone.

O raizeiro fez a festa; praticamente zerou o estoque que estava na Kombi. Alecrim, manjericão, espada de São Jorge, comigo-ninguém-pode, guiné, arruda e pimenta cumari formaram o coquetel místico usado para lavar as áreas comuns e os batentes de todas as portas e janelas. Para completar o ritual, ele fez xixi nos quatro cantos do terreno, no dia em que se mudou.

Proteção completa, alojou-se no novo endereço. As primeiras semanas correram bem; foi arrumando os livros e discos com calma, quando notou que havia pilhas de caixas deixadas num quarto dos fundos. Abriu e deparou-se com a primeira surpresa: cartas, extratos bancários e documentos pessoais – provas de que o ex-morador saiu corrido (havia até contratos de gaveta, instrumentos sem valor legal, que regulam negócios pouco ou nada lícitos).

A curiosidade foi atiçada. Ele havia comprado a casa de uma empresa e, portanto, não sabia quem morou ali. Descobriu que era um servidor público de nível mediano, com salário baixo, mas que tinha posses. Estava há poucos anos em Brasília. Não estranhou; não é anormal alguém deixar um alto salário na iniciativa privada para trabalhar no serviço público.

Deixou o caso de lado, até o dia em que faltou água na torneira da churrasqueira, em pleno domingo. Não havia quem chamar e ele mesmo foi ao sótão verificar registros, boias da caixa d’água, o que coubesse nos seus parcos conhecimentos hidráulicos. Foi a primeira incursão na parte superior da casa e, usando o telefone como lanterna, foi iluminando o caminho apertado e coberto de teias de aranha.

Não viu nada de anormal e, quando voltava, já pensando no que fazer, avistou duas caixas num canto. “Mais documentos”, pensou. Quando puxou, as caixas se romperam e apareceram duas malas que foram arrastadas escada abaixo. Estavam fechadas, cada uma com um pequeno cadeado, mas ele não hesitou; com um martelo, abriu as duas malas.

Levou um susto. Havia alguns milhares de dólares ali, novinhos. E agora? Eu não sei; aliás, não queria saber nem do caso.

Publicado no Correio Braziliense em 24 de junho de 2018.