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Um Natal diferente

Publicado em Crônica

Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do polo norte, luzes piscando, um peru assado na mesa, frutas secas… a comemoração do Natal é toda importada. Mais ainda agora, quando Toda a tralha vem da China. O Natal brasileiro ficou na memória de alguns.

O bom velhinho do jeito que conhecemos hoje é uma ação de marketing – talvez a mais bem-sucedida do mundo – da Coca-Cola, que espalhou sua imagem bochechuda por todo o planeta, substituindo figuras locais. E ele aparece com trenó puxado por renas recolhidas no Polo Norte e com uma risada pra lá de esquisita.

Noel veio substituir o Velho Inverno, um camarada que circulava pela Europa, se cobria de peles de animais e não dava presentes. Ao contrário, filava comida e bebida. E o povo o recebia bem, acreditando que assim o inverno seria menos rigoroso.

Muito tempo depois surgiu o monge Nicolau, que teria jogado um saco de moedas pela chaminé de uma casa, salvando uma moça de ser vendida pelo pai. Foi o início da tradição dos presentes.

Já canonizado, São Nicolau foi substituído por um desenho do alemão Thomas Nast, inicialmente um gnomo que, com o tempo, foi engordando, até que em 1931 o norte-americano Haddon Sundblom, sob encomenda da Coca-Cola, criou o Noel como o conhecemos.

Na verdade, o Natal nasceu como uma festa pagã, quando romanos celebravam a chegada do inverno, enquanto prestavam culto ao Deus Sol (natalis invicti Solis) e também a Saturno, deus das lavouras. Eram as saturnálias.

Mas o Natal brasileiro já foi muito diferente. O baile pastoril, por exemplo, começava quando santeiros faziam um presépio esculpido a canivete para esperar a passagem das pastorinhas que entoavam loas ao menino Deus.

O cavalo-marinho é outra tradição de teatro popular, principalmente em Pernambuco, com a chamada dança dos arcos, que festejava os Natais. A folia-de-reis, aos trancos e barrancos, sobrevive, ainda dominada por um rei, seguido por violeiros, sanfoneiros, vestidos com roupas coloridas, festejando o nascimento do Salvador do Mundo, arauto da paz aos homens de boa vontade.

No Brasil, na década de 1930, os integralistas tentaram substituir a figura do papai Noel pelo Vovô Índio. Até jornais de prestígio davam destaque ao novo personagem, distribuindo presentes.

O jornal O Globo chegou a iniciar uma cruzada contra o bom velhinho com dois editoriais contundentes: Vamos Fazer um Natal Brasileiro? e o mais explícito Pela Deposição de Papei Noel. O jornal O Estados de S. Paulo também noticiou entrega de presentes pelo vovô nacionalista. Mas esqueceram de combinar com o povo e não pegou.

Em 1986, Jorge Ben Jor lançou a música Natal Brasileiro tentando reavivar a polêmica. “Mas que Natal é esse?/ É o Natal brasileiro, amor/ Depois da Missa do Galo/ Parentes, amigos e convidados/ Reunidos na mesma mesa, toda enfeitada com frutas tropicais/ E no centro um cabrito assado, tenro, todo recheado, espalhando farofa pra todo lado…“ – mas a música também não colou.

Ficamos mesmo o velhinho de vermelho. Feliz Natal.

Publicado no Correio Braziliense em 24 de dezembro de 2023