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A nova poção do amor

Publicado em Crônica

Apaixonado por Cila, o feioso e desajeitado Glauco pediu a Circe que fizesse uma poção do amor; Cleópatra teria usado um elixir de estramônio para seduzir Marco Antônio; os chineses, há mais de cinco mil anos, usavam o ginseng em suas incursões amorosas. Faz tempo que o ser humano busca um reforço – ou até um substituto – para a lábia na hora de tentar uma conquista.

Com a chegada dos europeus ao novo mundo, descobriu-se uma nova esperança para mal-amados, romeus e julietas em geral. O sassafrás, planta que cresce em terras áridas e arenosas, é usado desde tempos imemoriais pelos homens da medicina de tribos norte-americanas para diversos tipos de terapia, principalmente como anti-inflamatório e antiespasmódico.

Mas a planta também era usada para curar os males da alma dos nativos; a infusão de folhas e raízes provoca uma onda sedutora, desperta o conquistador que habita os corações. E os europeus reconheceram logo a efetividade da ação do sassafrás, tanto que a planta foi uma das primeiras exportações americanas, antes mesmo do fumo. Inicialmente por causa da madeira e do sabor, mas foram descobrindo o algo mais…

Se Circe não fez a poção; ao contrário, transformou Cila em monstro. Se Cleópatra tinha encantos que dispensaram o elixir e se o ginseng é hoje mais usado como energético. O sassafrás, ao contrário, vem ganhando reconhecimento e reputação.

Não é das plantas mais conhecidas no Brasil, mas desperta curiosidade desde que foi chamada de “erva do amor”, muito embora não seja uma erva – é uma árvore.

Ocorre que o vegetal tem um princípio ativo que desperta a afetividade, fazendo com que até os mais antipáticos suavizem suas reações e até explorem alguma capacidade de sedução escondida, por causa da liberação de serotonina e dopamina. O efeito pode durar horas ou até alguns dias, no caso dos mais suscetíveis.

Normalmente, se faz chá das raízes ou das folhas do sassafrás, mas se alguém oferecer uma xícara de tisana no bar corre o risco de ser vaiado. Daí, o valioso galhinho de sassafrás foi parar numa garrafinha de pinga de Orizona, de boa qualidade – e ficou mergulhado por três meses antes de chegar à mesa dos nem tão jovens senhores.

Depois de expostas as qualidades terapêuticas do sassafrás, todos quiseram experimentar – e não apenas porque velho adora provar um remédio novo, mas pelo assanhamento mesmo. Afinal, quem resiste à uma erva (ou árvore) do amor?

De prova em prova, a garrafa secou. A cachaça ajudou, era muito bem alambicada, descia com maciez, esquentava o estômago e subia com delicadeza, tanto para o palato quanto para o cérebro.

Ao final da degustação, todos elogiaram o sabor que o sassafrás deixava – razão principal dos espanhóis levarem a planta para a Europa – mas esperavam a tal onda de afeto que ela provocaria. Não demorou que o primeiro gaiato provocasse: “Já me sinto apaixonado”, disse o candidato a Don Juan.

A resposta veio rápida, de Marcelo, o ríspido:

– Se olhar para o lado de cá, apanha. E com esse galho aí – apontou para a garrafa.

Publicado no Correio Braziliense em 10 de março de 2023