Cabe até discussão sobre a companhia ideal para uma gelada. Mas eu tenho um fraco por camarões. E nem devia ser assim; um crustáceo quase causou a morte de um xará chegado, salvo, enfim, por uma dose de licor de menta que interrompeu a brutal intoxicação. Santo remédio.
Andava muito para ir ao boteco – tinha o herético nome de Capela do Chope, às margens da velha EPTG – que nos atraia com camarões fritos de exagerada bitola. Não há mais. Rosângela Rabello, a dona, se dedica hoje a línguas e rabos em seu bar na Quituart, Lago Norte – incluindo um pastel de rabada de primeira.
Andei muito mais. Pode parecer exagero cruzar quilômetros de dunas e lagoas pluviais para saborear um prato. Mas há muito que o tal camarão grelhado da Luzia atentava o juízo.
E ele só pode ser apreciado num restaurante localizado no coração dos lençóis maranhenses. Ludovico Ribondi – que andou muito por aquelas areias – provocava inveja. Aos amigos maranhenses eu não dava muito crédito: quem gosta daquele Guaraná Jesus… sei não.
A viagem, enfim, começa. De São Luís a Barreirinhas são 240 quilômetros de estrada bem conservada, mas com obstáculos na forma de porcos, jegues e crianças que são criados soltos. De lá, toma-se uma lancha que serpenteia o rio Preguiça por 40 quilômetros até a foz, onde está Atins, um povoado de pescadores, cercado de água – mar, rio, igarapé e lagoas. O tal camarão fica mais a frente, no Canto do Atins – mais sete quilômetros de praias e dunas, que podem ser percorridos a pé, cavalo ou de jipe.
E vamos ao camarão da Luzia. Ou não. Ainda em Atins chega a informação da cizânia: Luzia e Magnólia, cunhadas, brigaram. Magnólia, diz a maledicência do local, foi a criadora do prato mais famoso do Canto do Atins, e Antonio, irmão de Luzia, marido de Magnólia, ergueu outro restaurante. Bem ao lado. E agora?
Com a dúvida na cabeça e disposição nos pés, enfrentamos praias, mangues e dunas antes de chegar à encruzilhada: de um lado a Luzia, do outro, Magnólia. Entramos na Luzia; é difícil resistir a uma grife. Mas o restaurante do Antônio oferecia valor agregado: redes para a soneca da siesta – mudamos.
Veio, afinal, o camarão grelhado. A experiência é única. O camarão branco, comum na região, é cortado ao meio, limpo, marinado e grelhado – por cima, já ressecado pelo calor, um molho secreto é incorporado ao crustáceo. Parece conversa de degustador profissional, mas vários sabores parecem invadir a boca. Inesquecível.
O fato é que, se houvesse político sério no Brasil, o camarão da Luzia – ou da Magnólia – deveria ser elevado ao panteão dos patrimônios imateriais do Maranhão. Antes mesmo do tambor de crioula e do bumba meu boi. E até do nada santificado Guaraná Jesus.
Publicado no Correio Braziliense.