Fechou as portas em 31 de agosto o Piantella, mais tradicional reduto gastronômico da capital, instalado na 202 Sul, que por 40 anos serviu de templo da liderança política nacional. “Era um patrimônio imaterial da cidade”, afirma o advogado Kakay (Antonio Carlos de Almeida Castro) proprietário do restaurante, em mensagem na qual explica que “ tentei tanto manter aberto o nosso velho e bom Piantella. Tem horas, porém, que a realidade tem que ser enfrentada”.
Kakay se refere às dificuldades financeiras que a casa vinha apresentando – o que fez com que ele arrematasse o restaurante das mãos de seu ex-sócio Marco Aurélio Costa, há exatos dois anos. A mulher de Kakay, Valéria Vieira, assumiu o comando e mandou reformar completamente o visual. Só ficou a fachada externa que ostenta um painel formado por placas de mármore assinado por Athos Bulcão e inaugurado pelo próprio autor.
Segunda casa
O fechamento do Piantella, que coincide com o fim da Era Dilma, não chegou a surpreender os funcionários. Chicão, um dos mais antigos da casa, disse que “sabia que alguma coisa iria acontecer, mas assim de vez não”. Foi justamente a equipe o que mais preocupou o dono. “Não tenho apego às questões materiais, o que me comove é que o Piantella era uma segunda casa para muita gente”.
Para Marco Aurélio, que dirigiu o restô por 38 anos, ela funcionava como uma grande família. Em sua cozinha e adega passou mais de uma dupla de pai e filho. Como a do Palito e Palitinho, formada por Gerardo Maciel, um dos primeiros cozinheiros da casa, e Wellington Maciel que, apesar de alto e forte foi logo chamado de Palitinho.
Destaques do menu
Misto de francês e italiano, o cardápio do Piantella era marcado pela perenidade. “Havia três pratos que jamais poderiam sair do menu: o frango à Kiev; o steak moscovita (servido nos áureos tempos com uma farta colher de caviar); e o filé a la broche (fatias de carne com molho à base de escargô e alho), lembra o ex-restaurateur Marco Aurélio.
Quando assumiu a direção, Valéria Vieira manteve os ícones do cardápio, a feijoada aos sábados e o cozido nos domingos. Além de confirmar no comando do salão, o experiente maître Ozanan Chaves. Bonita e requintada a nova decoração da casa, pronta em dezembro de 2014, não chegou a atrair a clientela na mesma expressão que teve no passado.
Ulysses só comia lá
Reduto preferido pela oposição ao governo (a situação se reunia no Gaf, fechado há muito tempo), o Piantella recebia todos os parlamentares e executivos que vinham à capital. Apesar de FHC ter sido um contumaz frequentador da casa, o político mais querido sempre foi Ulysses Guimarães. “Na época da Constituinte, que durou dois anos, Doutor Ulysses almoçava e jantava aqui todos os dias”, lembra Marco Aurélio, que ao amigo e líder dedicou um espaço no primeiro andar do restaurante com a mesa que ele ocupava.
Luiz Eduardo Magalhães, diferentemente da maioria dos parlamentaresw, que tomavam uísque e vinho, preferia as borbuhas e inaugurou a onda do espumante no Piantella. Nem só sofisticadas preparações eram servidas à importante clientela. Alguns pediam pratos de dieta. A mulher do senador Nelson Carneiro, autor do projeto que institui o divórcio em 1977, levou ao restaurante a receita do médico com a lista dos ingredientes que o político podia comer. Também Delfim Netto pedia comida caseira: feijão, arroz, carne moída e pastel.
E o dono chorou…
No último dia de funcionamento do Piantella, Kakay se emocionou e chorou ao se despedir de cada um dos empregados, com os quais conviveu por muitos anos. Acompanhado da mulher Valéria Vieira, o dono da casa garantiu que todos os empregados vão receber tudo a que tem direito.
Lembrado pelo mais antigo maître Francisco das Chagas Alves, o Chicão – que lá só perdeu alguns meses, porque trabalha há 39 anos –, de que havia algumas reservas no dia, Kakay decidiu prolongar as atividades até meia-noite.
“Me despeço do Piantella como quem se despede de um amigo e me lembrarei das incontáveis noites, madrugadas, tardes que viravam noite, das cantorias ao pé do piano e esta lembrança boa, divertida, alegre é que me acompanhará pela vida toda”, foram as palavras do proprietário no último dia da casa, que por quatro décadas (a se completar no início de 2017) abrigou uma legião de frequentadores que lá tiveram satisfeito o apetite pela boa mesa e o inegável prazer.