Natal em silêncio

Publicado em Crônica

A safra de músicas de Natal este ano está fraca. Em português não tem nada. No mais, regravações, como Feliz Navidad, com Gwen Stefani e Mon Laferte, Happy Xmas, com Miley Ciyrus e Sean Ono Lennon, ou What Christmas Mean to Me, com John Legend ressuscitando uma velha canção do repertório de Stevie Wonder, também gravada este ano no disco natalino de Michael McDonald.

Há canções novas tentando renovar o repertório, caso do guitarrista Rodney Crowell, que também aparece no álbum de Jessie J, estrelinha pop, como autor de This Christmas Day. O resto do disco da moça tem as canções de sempre, de Let it Snow a White Christmas.

A surpresa é Eric Clapton com 14 canções clássicas, incluindo White Christmas com um suíngue nunca ouvido antes. E Silent Night, mais conhecida entre nós como Noite Feliz, uma versão de Stille Nascht, Heilige Yach, a mais popular canção de Natal registrada. Só perde para Jesus, luz de todas as nações, atribuída a Santo Hilário de Poitiers.

Noite feliz é bem mais conhecida e nasceu de um acidente, quando órgão da paróquia do padre austríaco Joseph Mohr quebrou e ele teve que improvisar uma canção que pudesse ser interpretada apenas com violão, na missa do galo de 1818. Hoje, a canção pode ser ouvida em 330 idiomas.

A tradição musical do Natal vem de longe, mas em que pese a maioria cristã, o Brasil contribuiu pouco com a festa – até a decoração é importada. Não foi por falta de tentar. Em 1933, Assis Valente lançou Boas Festas na voz de Carlos Galhardo, no ano seguinte fez Recadinho de Papai Noel para Carmen Miranda.

Anos depois Otávio Filho lançou a valsa O Velhinho (1953) nas vozes de João Dias e Edith Falcão, Luiz Gonzaga compôs e gravou Cartão de Natal (1954) e Blecaute tentou a sorte com Natal das Crianças 1955), com sucesso. Mais recentemente, Roupa Nova gravou Natal Todo Dia (2007), o que não impediu que a data caísse no esquecimento dos compositores brasileiros que, parece, preferem botar as moças para mexer o bumbum.

Sem renas, neve e cachecóis – mesmo nos estados mais frios faz calor – o Natal brasileiro continua importando até o cardápio. Depois do peru, rabanadas e castanhas portuguesas, o mais recente item é o panetone, que surgiu na Itália quando o Brasil nem havia sido descoberto pelos navegantes lusos e, pelo menos por mim, deveria ter permanecido lá.

O Natal celebra o nascimento de Cristo mas, na verdade, nasceu pagão, sete mil anos antes, como celebração do solstício de inverno – a mais longa noite do período de frio no hemisfério norte. Na Grécia, a data celebrava Dionísio, o deus vagabundo, enquanto egípcios lembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Em Roma, a festa era para Mitra, deus da luz, até que os católicos capturaram a data.

O historiador Sextus Africanus, já no século IV, registrou o dia como sendo o nascimento do filho de Deus. Ficou assim, está bom. Feliz Natal a todos.

Publicado no Correio Braziliense de 23 de dezembro de 2018