CRÔNICAS REVISTAS: A morte da utopia

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Há 222 anos Robespierre prometeu que iria instalar o império da sabedoria, justiça e virtude na França. Decapitou 1.400 pessoas em 49 dias. Governou pelo terror, que ele julgava ser uma expressão da virtude. Desde essa época, os políticos mentem.

A cabeça do então comandante dos jacobinos rolou na cestinha da guilhotina. Não se usam mais lâminas afiadas para resolver mentiras de políticos e, pelo menos em alguns casos, é melhor que seja assim. Mas os políticos continuam mentindo.

É bom ver cada brasileiro defendendo o que quiser. E pedindo a cabeça – desta feita, figurativamente – de quem desejar. Só é preciso lembrar que o país não é um time de futebol que, quando vai mal, muda o técnico, ainda que seja o Muricy.

Os jacobinos diziam que a falha era do sistema, nunca do homem. Errado, pelo menos neste país tropical: o noticiário recente condena ambos. Daí que temos juiz se apropriando de bens dos réus, empresários bilionários sujando as mãos e se fingindo de coitadinhos e políticos… bem, fazendo o que eles fazem melhor.

O fato é que o Brasil se cansou do cinismo dos poderosos. Mas os protestos – pelo menos os não remunerados – expressam este sentimento. A verdade inapelável é que a utopia morreu e, sem sonhar, não há para onde ir.

A turba quer muitas coisas, mas em especial quer a recuperação da capacidade de pensar e criar o futuro coletivamente. De enxergar a esperança. Não vai ser fácil.

Há tempos as ideias não passam de propostas requentadas e cada vez mais próximas entre si – liberais acreditando que o Estado deve prover algum tipo de proteção social; socialistas e comunistas enxergando o livre mercado com alguma simpatia (ou tolerância, que seja).

O irônico jornalista norte-americano H. L. Menckel escreveu que a ânsia para salvar a humanidade é quase sempre um disfarce para a ânsia de governá-la. Vale para o Brasil. Portanto, políticos não são bem-vindos nas manifestações. Mas, ironicamente, há quem reclame a ausência deles.

O problema brasileiro, hoje, é mais moral do que ideológico. Os líderes estão nas cordas, hostilizados; e se não houver algum tipo de esforço conjunto para recuperar o crédito do escol social, o país ficará de protesto em protesto, sem ganhar nada.

Quem sabe se não é hora da gente reproclamar a República e começar tudo de novo? E melhor que Roberpierre, lembrar outro francês, Voltaire: “Todo homem é culpado por todo bem que ele não fez”.