Brasília vai receber este mês — de 23 a 25 — a visita de um dos mais importantes enólogos da atualidade. Contratado pela Peterlongo gaúcha para revitalizar produtos, o francês Pascal Marty, de 58 anos, traz uma bagagem fenomenal. Ele participou da criação de alguns dos vinhos mais emblemáticos do planeta, como o californiano Opus One, tinto elegante, intenso e nobre, fruto da parceria entre a baronesa Philippine de Rothschild, que àquela altura já respondia pelo legado do marido, o Barão Philippe de Rothschild, e o viticultor estadunidense, de origem italiana, Robert Mondavi, que colocou os vinhos de Napa Valley no mapa do mundo.
Outro projeto que contou com a contribuição de Pascal Marty também envolveu a francesa Mouton Rothschild (trabalhou lá por 14 anos), mas desta vez com a vinícola chilena Concha y Toro para produzir com o Cabernet Sauvignon de Puente Alto, o icônico Almaviva. Pascal se encantou pelo Chile e por lá ficou até ele próprio se tornar produtor e ter a sua empresa, a Viña Marty. Antes, porém, aceitou convite da Cousiño Macul para criar o primeiro vinho ícone comemorativo aos 150 anos de fundação. Chama-se Lota e, desde o seu lançamento, recebeu notas acima de 93 pontos.
Degustação
Já na Viña Marty, Pascal produz centenas de vinhos que aqui são distribuídos pela importadora Del Maipo. O restaurante Tejo tem 20 rótulos de Pascal na adega, diz o sommelier cubano Eugenio Cue. Inclusive o top Clos de Fa, um blend de Cabernet Sauvignon, Merlot e Sirah, que sai por R$ 889. Não é raro harmonizar a refeição com os vinhos do winemaker francês. Diversos restaurantes da cidade oferecem seus rótulos na carta.
Ele próprio vai comandar uma degustação durante jantar no Piantas (403 Sul), na segunda-feira, 23. Começa pelo Pirca Chardonnay Gran Reserva como boas-vindas. Inaugura o primeiro prato de arroz de pato com Corazón Del Indio Premium Blend e o Ser Merlot Single Vineyard. No segundo prato, um bife de chorizo com batatas ao murro, servirá Cabernet Sauvignon e Syrah do mesmo vinhedo. Já o terceiro prato — carré de cordeiro com aligot — culmina a harmonização dos tops Kalak e Clos de Fa. Sai por R$ 260, individual, ou R$ 450, o casal.
Contrato por 10 anos
Nessa viagem ao Brasil, que inclui São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Tiradentes, Brasília, Goiânia e Pirenópolis, Pascal Marty vai visitar em Garibaldi (RS) a lendária Peterlongo, onde lidera um projeto ambicioso que colocou a vinícola gaúcha de volta na rota do vinho brasileiro. Único produtor autorizado a usar o nome champanhe em seu espumante no Brasil — ainda que não possa exportá-lo — assinou com o enólogo francês um contrato por 10 anos. Para Pascal, revitalizar uma marca de 100 anos é “um desafio no qual queremos demonstrar que temos a capacidade de produzir vinhos de alta qualidade e ser um benchmark qualitativo a nível nacional”, disse em entrevista exclusiva à coluna.
O responsável pela contratação do enólogo francês, natural de Perpignan, divisa com a Catalunha, é o empresário gaúcho Luiz Carlos Sella, que enriqueceu com a fabricação de pneus e há 14 anos comprou a vinícola dos herdeiros da Peterlongo. Pascal trabalha na revitalização da nova linha de vinhos finos, Armando Memória, que chega ao mercado com os varietais tintos tradicionais Merlot, Cabernet Sauvignon e Tannat, além de reformular as linhas de espumantes Presence, Privilege e Elegance.
Cinco perguntas// Pascal Marty
Depois de ter participado do nascimento do Opus One e do Almaviva, dois vinhos ícones do mundo, o senhor aceitou convite para assessorar a Peterlongo, única vinícola brasileira autorizada a produzir champanhe, há mais de cem anos, mas que também tem outras bebidas de gosto inexpressivo. Isso foi um desafio?
Claro que é um desafio. Tudo não pode ser alterado de um dia para o outro, mas o mais importante é que o endereço indicado pelo proprietário da empresa é muito claro. Queremos posicionar a Peterlongo na gama de qualidade do vinho espumante como um dos melhores, conciliando assim o seu status de marca mais antiga no Brasil. E de qualquer forma como o único produtor de champanhe no Brasil. Agora, o desafio não termina aqui. Também queremos demonstrar que temos a capacidade de produzir vinhos de alta qualidade e ser um benchmark qualitativo a nível nacional.
O senhor tem dito que o Brasil precisa ter o seu vinho e tem trabalhado em regiões com castas portuguesas, como Encruzilhada do Sul, considerado já o segundo polo viticultor, depois da Serra Gaúcha. Estaria lá a identidade vinífera brasileira?
Não creio que uma única área possa ser representativa para o país. Menos ainda quando falamos de um território tão extenso como o Brasil. Nem Bordeaux é a identidade da França. Cada região tem suas características e cada uma contribui para a identidade de um país. Na Peterlongo, estamos tentando trabalhar e definir a nossa própria identidade, a partir de estirpes portuguesas porque estas têm, pelo menos, uma diferenciação com as que ocupam outras regiões vinícolas e também têm uma legitimidade histórica. A história é a base da identidade de um país.
Como o senhor define o padrão do vinho preferido pelo brasileiro, em termos de elegância, potência, aromas, doçura e teor alcoólico?
Não pretendo conhecer o padrão de vinho preferido pelos brasileiros. No nível do consumidor, é um país bastante novo, onde ainda há muito o que fazer. Nós, como produtores, profissionais do vinho, só podemos propor a nossa visão de um estilo, com base no que podemos fazer de melhor e o que parece ser a direção certa para a nossa empresa no Brasil. Por sorte, todos os vinhos são diferentes. Eles são tão diversos quanto os consumidores. O mais importante para nós é definir o nosso padrão, que cristaliza nossa identidade e o que queremos projetar. A busca de um estilo é o mais importante e é o que estamos tentando fazer nesta primeira etapa de criação de nossos novos vinhos.
E quanto à preferência no Chile, é verdade que os chilenos conhecem muito pouco os seus vinhos porque a maioria deles é feita para a exportação?
É verdade que o Chile exporta 95% de sua produção. Se o Chile sabe muito pouco sobre os seus vinhos, não acho que seja por esse motivo. A produção de vinhos finos no Chile também é bastante nova. Esta indústria tem mais ou menos 30 anos de história no nível de vinhos finos e para exportação. Durante muitos anos, os vinhos consumidos no Chile eram bastante básicos e fazia apenas alguns anos que o consumidor começou a interessar-se pelo vinho. O conhecimento do vinho no Chile é feito, como em quase todos os países, pela chegada de jovens consumidores que levam o vinho para outro nível. O mesmo acontece no Brasil.
Paul Hobbs diz que, no início dos anos 1990, enólogos eram raramente vistos nos vinhedos e ele teria sido um dos primeiros a fazer isso. O senhor, que também é proprietário de vinhas, sente necessidade de acompanhar o desenvolvimento da planta? E o que tem obtido?
É indispensável. O vinho é feito na vinha. O enólogo é um profissional que tenta não desperdiçar o que a natureza entrega como matéria-prima. Se a uva é boa, é muito provável que o vinho seja bom. Se a uva é ruim, não há possibilidade de produzir um bom vinho. Portanto, o enólogo tem que passar mais tempo na vinha do que na adega. O enólogo é como um cozinheiro chefe. Os chefs vão ao mercado e compram os ingredientes. E nos melhores restaurantes estão envolvidos na produção de legumes ou carnes com produtores. O enólogo deve orientar a uva para que ela tenha os atributos que o enólogo precisa para produzir o vinho que já definiu em sua cabeça. Um excelente vinho não é o resultado aleatório da naturalização. É o resultado antecipado e premeditado pelo enólogo.