Se se pudesse atualizar para este milênio o sonho de Dom Bosco, que vislumbrou em agosto de 1883, há exatos 135 anos, um lugar especial (Brasília), onde, nas palavras do anjo que o acompanhava na visão, “aparecerá a terra prometida de onde jorraria leite e mel”, daria para acrescentar … e a uva Syrah. Tal a adaptação que a casta, de origem persa, obteve no terroir goiano, um cenário rodeado pelas árvores contorcidas que teimam em crescer em meio à baixa umidade.
“É exatamente o clima seco, quente de dia e frio à noite, que propicia as temperaturas ideais à planta”, comemora o brasiliense nascido em BH,Sergio Resende, o mais novo viticultor do Planalto. Ex-homem da noite (foi sócio do Gate’s Pub, por 21 anos, na 403 Sul, e depois tocou a importadora Zahil, na 308 Sul), Sergio acaba de colher a primeira safra de Sirah no Vinhedo Girassol, propriedade da família Resende, situado na BR 070 (KM 21,5) e distante 65 quilômetros da Rodoviária do Plano Piloto.
Colheita de inverno
A inspiração para plantar parreiras veio do vinhedo vizinho, onde o otorringologista goiano Marcelo de Souza que, aposentado da Polícia Militar do Estado, conseguiu realizar o sonho de produzir o primeiro vinho num estado sem nenhuma tradição no assunto. Ele plantou Sirah, Barbera e Tempranillo. Reconhecidamente muito bons pela crítica especializada, na visão do consumidor, os rótulos da Vinícola Pirineus apresentam dois defeitos: a origem e o preço alto.
Para manejar o vinhedo, Serginho contratou o técnico Vinícius Martins Veloso, formando de agronomia pela Universidade Estadual de Goiás, campus Ipameri, que começou a realizar dupla poda para mudar o ciclo natural da planta e “fazer com que ela amadureça no inverno”, explicou. No final de agosto, os primeiros cachos colhidos às 5h e devidamente embalados partiram num caminhão refrigerado numa viagem de 350 quilômetros até Paraúna (sul de Goiás).
Lá, após o desengace, o Sirah está sendo fermentado em tanques de aço inox e depois o vinho vai para barricas de carvalho americano e francês por cerca de seis meses. “Quando estiver pronto, o vinho será engarrafado com o nome de Terroir Girassol e deverá custar na faixa de R$ 145”, informa Resende. O processo se dá na Vinícola Serra das Galés, que produz outro vinho goiano, o Muralha, com uvas Syrah e Touriga Nacional.
Cultura persa
Por ironia, o vinho Sirah não é mais produzido no berço que lhe deu vida. Decisão do regime dos aiatolás baniu todas as vinícolas no Irã, ficando apenas fábricas de suco de uva. Essa foi uma das minhas grandes decepções não ter conseguido provar o sabor da bebida ao visitar, em 2015, a cidade que leva o nome da casta. Grafada em inglês como Shiraz, é considerada o centro da cultura persa durante 2000 anos, também é chamada “cidade das rosas, dos rouxinóis, dos poetas e dos jardins”. Lá, dá para ver o deslumbrante Palácio de Karim, a gloriosa Mesquita Vakil e o famoso Bazaar de Shiraz.
Levada para a França, a variedade deu fama aos vinhos do norte do Rhône, como o Hermitage, que pode durar por décadas. Também é plantada no Languedoc e teve excelente adaptação na Austrália, onde é considerada a uva-símbolo, responsável pelo famoso tinto australiano, o Penfolds Grange.
Por gostar de clima seco quente, Syrah conquistou espaço em regiões da África do Sul, Brasil, Argentina, Chile, Califórnia e Nova Zelândia. Seus aromas recordam ameixa, amora, cerejas, mirtilo e até um toque discreto de menta.
Almoço caipira
Percorrer os vinhedos e admirar a deslumbrante vista que se descortina de um mirante é apenas uma parte da programação ocorrida sempre aos sábados no Vinhedo Girassol. Ele ocupa uma pequena parte da propriedade de 500 hectares (com piscina e cachoeira) totalmente preservados adquirida há quase 40 anos por Melchior Resende, que completa hoje – aniversário da independência – 91 anos. Além do patriarca, os filhos Paulo Marcos e Ana Maria atuam ao lado do irmão Sérgio no empreendimento.
Quando você já estiver encantado com o que viu e cansado pela caminhada (pode subir de van), um saboroso almoço o aguarda no restaurante comandado pela chef Rosa, nascida em João Pinheiro (MG). Você poderá escolher entre a carne de lata, arroz branco, feijão tropeiro no caldo de mandioquinha frita com couve por cima (frita ou refogada); e a galinha caipira feita na panela com muito molho e servida com arroz branco, quiabo, feijão tropeiro e batata frita cortada em lâminas. Os pratos são acompanhados por uma saladinha.
Aberta com um espumante de boas vindas, a refeição termina com uma bonita sobremesa de visual contemporâneo e feita de tiras de doce de mamão sobre compota de laranja da terra. O passeio completo sai por R$ 250, por pessoa, com direito ao transporte de van. Reservas com Sérgio no celular (61) 99286-7736. Mesmo sem fazer o passeio, você pode almoçar lá: marque pelo celular de Rosa (61) 99849-4091. Nos fins de semana, o self service sai por R$ 42,99, o quilo.