Belo Horizonte – Os amantes da bebida preferida dos brasileiros, a boa e moderadamente alcoólica cerva, ganharam um templo de quase dois mil m², na capital mineira com uma pegada de Inhotim, tal a expressão de arte impregnada no bonito edifício de três andares chamado Ateliê Wäls. Todo ele é dedicado ao produto do mesmo nome, lançado há 18 anos por dois irmãos, quase garotos — José Felipe e Tiago Carneiro —, que herdaram dos pais a têmpera e inspiração para o trabalho. Fica no bairro Olhos d´Água (Rua Gabriela de Melo 566) e tem um visual contemporâneo, numa estrutura metálica de vidro transparente, que mistura design, arquitetura e alta tecnologia cravada entre as montanhas de Minas.
O começo foi muito difícil, reconhecem os cervejeiros, que tiveram de bater de porta em porta insistindo para que provassem o produto surgido num mercado altamente competitivo. O Brasil conta com mais de 400 cervejarias, entre grandes e micros, sendo que as artesanais crescem a uma taxa de 40% ao ano. “Cada peça de madeira, cada gota de tinta, cada grão de cevada para fazer a cerveja representam para nós não só um negócio, mas um projeto de vida”, lembra José Felipe, de 31 anos, conhecido simplesmente por Zé.
Sucesso nos EUA
Com o nome de Wäls, que não tem qualquer significado em nenhum idioma — “a gente escolheu pra dar ideia que vinha de fora”, diz o caçula Zé —, a grife conquistou em abril de 2014 o maior prêmio do World Beer Cup, concurso realizado anualmente nos Estados Unidos, que recebeu naquele ano, quase cinco mil inscrições de 1.403 cervejarias de 58 países. Foi a senha para o sucesso absoluto. Ano seguinte, os Irmãos Carneiro se tornaram parceiros da Ambev, nos mesmos moldes da Colorado, de Marcelo Carneiro.
“Lá atrás, no fim da década de 1990 e começo dos anos 2000, tivemos a revolução do processo cervejeiro, com novas técnicas de refermentação. Inovamos utilizando ingredientes nacionais nas receitas, criando novos sabores e nos especializando. Agora, apostamos em uma evolução e queremos fazer isso junto com os nossos consumidores, em uma plataforma aberta e inovadora, que é o Ateliê Wäls”, explica Tiago, de 34 anos, que é formado em engenharia de alimentos.
Como o vinho
O processo de confecção da cerveja está cada vez mais parecido com o do vinho. Desde o envelhecimento da bebida na barrica — que pode ser de carvalho francês, americano ou até de madeira brasileira, como a umburana —, até a remuage, assim chamada a rotação periódica da garrafa com gargalo para baixo feita manualmente nos pupitres, no caso das cervas produzidas pelo método champenoise.
Além de centenas de barricas, divididas em 12 variedades, milhares de garrafas dispostas em prateleiras projetadas nas paredes, luminárias em forma de bolhas, cortinas e teto de rolhas foram usados na ambientação totalmente vanguardista que “só vem afirmar que cerveja e arte andam juntas”, assinala o arquiteto Gustavo Penna, que entre outros projetos assina também o novo Estádio Mineirão e o Centro de Convenções do Inhotim. Com suas 21 torneiras de chope, o espaço cervejeiro bombou no primeiro fim de semana. Funciona de terça a sexta, das 17h à 0h, sábado e domingo, das 11h à 0h e serve um cardápio harmonizado, mas simples. Telefone (31) 3197-2450. O preço dos chopes vai de R$ 8,90 (X-Wäls) até R$ 13,90.
Chegou a hora da (r)evolução
É inegável que a revolução cervejeira chacoalhou o mercado nacional. O Brasil é um caçula no negócio se comparado ao mercado europeu e americano, mas carrega um inegável potencial. “O número de microcervejarias brasileiras dobrou desde que entramos no ramo”, calcula Zé. Terceiro maior consumidor da bebida no mundo, na forma ainda industrial e em larga escala, o país da loira gelada virou, também, o da lager, da India Pale Ale (IPA) e da Weiss (ou de trigo). Parte dessa popularidade se deve à entrada de multinacionais, como a Ambev, nesse segmento.
Faz dois anos que a Wäls engrossou a lista de microempresas regionais que se acoplaram à empresa (como também fizeram a paulista Colorado e, mais recentemente, a americana Goose Island). Os irmãos garantem que a reviravolta empresarial lhes deu acesso à tecnologia de ponta em centro técnicos espalhados pelos quatro cantos do globo, sem alteração na qualidade das receitas. Criatividade e inovação continua sendo o norte dos cervejeiros e eles prometem, em breve, trabalhar com um lúpulo exclusivo desenvolvido em laboratório.
Essa positiva inquietação, chamada por eles de evolução cervejeira, vem como um segundo passo após a primeira revolução, que apresentou esses sabores especiais, complexos, aromáticos e altamente harmonizáveis aos boêmios tupiniquins, há pelo menos uma década.
A afirmação pode ser comprovada no suntuoso Ateliê. Nas torneiras engatadas, aparecem mais de 10 receitas exclusivas, além de seleção com clássicos da marca. Elas vão variar conforme a estação. Por hora, pode-se provar a TT Saison, uma farmhouse ale criada em homenagem ao chef Thomas Troisgros. O sobrenome denuncia: herdeiro do francês Claude Troisgros, o carioca comanda os restaurantes da família, como o Olympe. Também estão frescas e prontas para o consumo a triple IPA Serra do Curral e a indefectível Wäls Dubbel, rótulo com o qual ganharam o título de melhor do mundo, há dois anos. (Rebeca Oliveira)
*As repórteres viajaram a convite da Ambev