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Nem tudo é sagrado

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De Campina Grande, Paraíba, chega a notícia que vereadores aprovaram lei que obriga a leitura bíblica como matéria escolar em colégios das redes pública e particular. Tem tudo para dar confusão.

Nada contra o livro sagrado do cristianismo; ao contrário, é certamente o mais importante guia espiritual para os brasileiros. Mas saber ler não é só juntar sílabas e palavras.

O livro foi escrito por 40 autores desde os tempos de Moisés, há 3.500 anos – e tem vários trechos que, hoje, mais confundem do que explicam, se não houver uma interpretação correta.

“Toda a terra tinha uma só língua e as mesma palavras, até que Deus criou vários idiomas diferentes, fazendo com que ninguém entendesse um ao outro”, está escrito em Gênesis 11:1,6-9. Mas no mesmo capítulo (10:5) há informação sobre diversas nações, cada uma com sua própria língua.

Há afirmações truncadas ou até antagônicas, caso das punições. “O filho não deve ser castigado pelo erro do pai, o vice-versa”, está escrito em Deuteronômio 24:16, corroborado por Ezequiel 18:30. Então como explicar Romanos 5:12? – “Todos os homens são culpados pelo pecado de Adão. A culpa passou de pai para filho por diversas gerações”.

Há também choques com a ciência, a começar da própria origem da humanidade ex nihilo (surgindo do nada), passando pela preservação das espécies na arca de Noé ou na afirmação de que o sol teria parado nos tempos de Josué. Sem hermenêutica, isso embaralha a cabeça da meninada.

Mais grave é o radicalismo de algumas passagens, a partir da condição humana dos escribas – todos homens. A eles é permitido “vender as filhas como escravas” (Êxodo 21:7) e matar quem não professe a mesma fé (Deuteronômio 13:7) ou homossexuais (Levítico 20:13)

As mulheres estão sempre em posição inferior já a partir de Eva, que nasce a partir de um pedaço de Adão. E vem dela a ideia de pecado.

O nono mandamento evoluiu de “não cobiçaras a mulher do próximo” para “não cometa adultério” ou “não cometerás atos impuros”. Mas em Eclesiastes 7:26 está escrito: “Então descobri que a mulher é mais amarga que a morte, porque ela é uma armadilha”… “Quem agrada a Deus consegue dela escapar, mas o pecador se deixa prender por ela”.

Mais adiante piora: “Foi pela mulher que começou o pecado, e é por culpa dela que todos morremos” (Eclesiástico 25:24)

No Novo Testamento a coisa também não é boa. Coríntios 11:7-9: “O homem não deve cobrir a cabeça porque ele é a imagem e o reflexo de Deus, a mulher, no entanto, é o reflexo do homem”. E Colossenses 3:18: “Mulheres, sejam submissas a seus maridos, pois assim convém a mulheres cristãs”.

Absurdos também fazem parte do texto sagrado, um deles narrado no Livro de Reis, quando uma maldição de Eliseu provoca a morte de 42 crianças porque elas o chamaram de… careca. E o que dizer de Davi que, segundo Samuel 25-27, mutilou 200 homens, retirando-lhes os prepúcios, para provar seu amor?

Ou seja, a Bíblia é importante. Mas inspira cuidados.

 

Publicado no Correio Braziliense em 29 de setembro de 2019