Embora ocupe um bairro operário na periferia de uma pequena cidade da Catalunha, Girona com cerca de 99 mil habitantes, o restaurante El Celler de Can Roca tem enorme importância tanto em nível mundial — foi aclamado, pela terceira vez, como o segundo melhor do planeta no ranking 50best —, como na vizinhança. Mais de 500 pessoas que habitam a cidadezinha se plantaram em frente ao restaurante para aplaudi-lo no dia que recebeu a terceira estrela do Guia Michelin.
“Normalmente um restaurante de alta cozinha se desconecta de seu entorno, mas não no nosso caso”, comentou Joan Roca, o chef da casa tocada por ele, o mais velho, com mais dois irmãos: Josep, chef de salão e sommelier e o caçula Jordi, chef confeiteiro. Apontados como geniais, os irmãos Roca transformaram Girona na meca da cozinha de vanguarda da Espanha.
“É claro que eu ficaria muito feliz se voltasse ao primeiro lugar”, disse Joan, que só perde para o chef italiano Maximo Bottura, da Osteria Francescana, instalada em Módena, próxima a Milão. Como em qualquer estabelecimento listado no top ten — o D.O.M., de Alex Atala, um dia foi o quarto e este ano ficou no 30º lugar —, El Celler de Can Roca tem sempre agenda cheia, por isso, as reservas são feitas com muita antecedência.
Passeio pelo globo
Antenados com o que se passa no mundo, os irmãos Roca têm o hábito de aproveitar as férias de verão em agosto para conhecer a cozinha de outros países. Já estiveram pesquisando sabores no Peru, México, Argentina, Chile e Turquia e agora estão focados na própria Espanha, esmiuçando cada região.
Essa volta ao mundo costuma ser reproduzida na abertura do menu, que constitui um leque de sabores. Na minha visita, começou pela Tailândia, com frango, coentro, coco, curry vermelho, lima e molho thai; seguindo creme de missô japonês; causa limenha do Peru e uma especialidade coreana antes de chegar a um bombom de Campari que explode na boca. Nessa sequência de tapas extremamente requintadas ainda provei estrela-do-mar, feita de marisco cremoso com polvo, e coral, representado por escabeche de mexilhões. Que tal limpar a boca com sorvete de azeitonas verdes e anchova?
Emoção e perfume
Precursores da cocção em baixa temperatura, os Roca se mostram modestos ao admitir que apenas difundiram a técnica que existia. Segundo Joan, “o nível tecnológico já chegou ao máximo e a próxima revolução na cozinha será a humanista: provocar emoções nas pessoas”. Isso eles sabem fazer muito bem.
Ao lado do uso do fogo e da brasa, equipamentos sofisticados, como bombas de vácuo, centrífugas e rotaval, permitem a elaboração de pratos que desafiam e alimentam a imaginação. Depois de 25 minúsculas tapas, vêm cinco pratos, entre os quais, timbale de maçã e foie gras com azeite de baunilha; camarões marinados em vinagre de arroz; linguado na brasa com molho de azeitonas verdes, pinhão, bergamota e laranja e brandade de bacalhau com espuma.
O ponto alto da degustação foi o cochinillo a la Rioja, um porquinho regado com uma redução de beterraba, laranja e pera com canela. Depois de você oscilar num estado emotivo ora de euforia, ora de relaxamento, chegam os incríveis perfumes comestíveis. Numa adaptação do Miracle, da Lâncome, a sobremesa traz creme de gengibre, granita de toranja e sorvete de lichia, frutas vermelhas e pimenta-rosa. Aí, você sente que já chegou ao céu, depois de acompanhar esses sabores com os melhores rótulos espanhóis. Foi mesmo um momento muito especial!
Três perguntas Joan Roca
Qual é a maior contribuição catalã para a gastronomia?
Há uma contribuição importante nos últimos anos que tem a ver com a cozinha criativa, sobretudo com a liberdade na cozinha houve aqui uma revolução deflagrada por Ferrán Adriá e um grupo de cozinheiros inconformistas eu creio que comprometidos com o pensar de uma forma distinta. A cozinha catalã tem um propósito histórico e cultural que é a sua grande diversidade e, de alguma maneira, sintetiza o que é passado histórico trazendo uma contribuição recente que são as novas técnicas.
Vocês são pioneiros no cozimento a vácuo em baixa temperatura. Depois da técnica chamada sous-vide, o que virá?
Houve uma revolução gastronômica na qual as técnicas se modificaram trazendo nos últimos anos um interesse maior pelo produto e pela técnica com a qual ele é tratado. Agora, creio que virá uma revolução humanista no sentido de provocar emoções nas pessoas. Creio que a próxima revolução será essa.
O que vocês comem em casa?
Tenho a sorte de comer a comida da Mama. Aos 80 anos, ela continua cozinhando para toda a nossa equipe.