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Pior do que gambá

Publicado em Crônica

Risquem o nome de Casanova de seu caderno. O aventureiro veneziano, ex-padre que alegou ter seduzido mais de cem mulheres, incluindo casadas e freiras, está para ser banido da história, apesar de sua contribuição intelectual com Voltaire e Mozart, entre outros.

Don Juan, libertino e sedutor personagem criado por Tirso de Molina, também está com os dias contados, assim como Henry de Marsey (criação de Proust), o Visconde de Valmont (de Pierre de Laclois) e muito provavelmente James Bond, de Ian Fleming. Os conquistadores estão em baixa e serão dizimados.

A primeira vítima foi Pepe le Pew, o gambá de rabo peludo, sempre apaixonado pela gata Penélope, personagem dos desenhos animados Looney Tunes, que reúne a turma do Pernalonga. Ele fazia uma pontinha no filme Space Jam: Um Novo Legado, em que o astro do basquete LeBron James contracena com as animações, mas foi dedurado por um jornalista que não tinha mais o que fazer e o acusou de incentivar assédio sexual e estupro. Foi cortado.

É fato que Pepe é personagem, digamos, mais animado que seus colegas de tela. Mas não levaram em conta nem o fato de que levaria uma bronca de James por dar em cima de outros personagens, o que nos leva a concluir que hoje em dia não basta ser politicamente correto. O negócio é fazer barulho.

Não há notícia de ninguém que tenha se tornado sádico por assistir os desenhos do Pica Pau ou que pegou em armas depois de ver o Eufrazino Puxa-briga, que é um adulto de hirsuto bigode, enchendo o Pernalonga de bala. Até porque é preciso uma mente muito doente para colocar arma nas mãos de personagens infantis, assim tipo o Zé Gotinha, do Tio Darlan.

Se essa sanha seguir em frente, vamos ver o Pato Donald preso por atentado ao pudor ao ficar mostrando os glúteos cheios de pena por aí e o Tom vai para trás das grades por assédio moral, violência e bullying contra o rato Jerry. Só vai sobrar o Piu-Piu. Sem Frajola, para contrariar a música de Claudinho e Buchecha.

Fica parecendo que as sessões de desenhos animados da TV eram uma faculdade de maldades e desvios. Por perto tem gente bem mais fedorenta que Pepe Le Pew. Dias desses assistimos um desses em ação, no boteco, cochichando indecências – ainda existe isso? – nos ouvidos da paciente moçoila, que achou por bem não reagir e só ficou encarando o impudico.

A baba escorria grossa pelo canto da boca do abdomínico, o olho parecia saltar da órbita e as narinas se dilataram, parecendo antecipar um orgasmo que, pelas condições físicas do pretendente, sabíamos impossível. Perto dele o gambá animado seria um seminarista.

A vingança da mulher pode ser muito cruel. Depois de ouvir a surrada cantada, a moça – que nem é tão jovem assim – abriu a boca, para todo mundo ouvir: “Para com isso. A fulana disse que além de não ter dado conta, você é muito pequeninho”.

Vergonha alheia pede mais umas doses. Não sobrou garrafa cheia.

Publicado no Correio Braziliense de 21 de março de 2021