Sigo Caminhando

Publicado em Autocuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Com três anos de existência o Coletivo Filhas da Mãe têm realizado diferentes projetos para cuidadoras familiares. Entre eles, estão aqueles relacionados à prevenção da saúde e à mudança de hábitos.

Em 2022 coordenamos, com outros parceiros, a CAMINHADA DA MEMÓRIA, que reuniu 700 pessoas no Parque da Cidade.

Para praticar semanalmente, desde maio de 2023 criamos o grupo Caminhantes. Todos os domingos pela manhã, cuidadoras familiares, amigas e parentes caminham pelos parques  de Brasília.

Enquanto a Ana Castro se recupera de uma queda,  hoje quem escreve é a Cosette, que caminha todos os dias, sozinha ou em grupo.

Cosette Castro  – “Durante muito tempo ensaiei caminhar com frequência, mas demorou para que essa atividade física entrasse na minha vida definitivamente.

Eu era de fases. Como a lua. Caminhava longos períodos. Anos. E depois parava.

Não que eu não gostasse. Gostava, mas havia momentos em que sentia um cansaço antecipado de sair de casa.

Sentia preguiça ao passar de carro e ver todas aquelas pessoas na rua. Radiantes. Andando, trotando, correndo ou usando bicicleta. Tão saudáveis que, em alguns momentos, até senti raiva. Delas e de mim, por estar paralisada.

Em outros períodos, foram os cachorros que me levaram para a rua. Era por eles que saía uma ou duas vezes ao dia para caminhar sem compromisso. Definitivamente não era por mim. Eu sempre tinha algo pra fazer.

Lembro de diferentes períodos de caminhadas.

Dois ou três anos seguidos. Disciplinada. Cedinho no verão, mais tarde no inverno. Em diferentes cidades. Em diferentes países.

Caminhadas sempre ajudaram a pensar em mim, nos desafios que tinha pela frente. Nos projetos. No desejo de viajar, conhecer novas pessoas e lugares.

Em geral, caminhava sozinha. Ou com outra pessoa. Coisas de filha única, pensava eu.

Parei de caminhar diariamente quando minha mãe veio morar comigo em 2018. Eu saía com ela todos os dias. As vezes, várias vezes ao dia, dependendo do grau de sua agitação. Mas precisava diminuir o passo pra acompanhar minha mãe.

Diminui tanto o passo que parei de caminhar. Não olhava mais pra mim. Quase não me via.

Só destinava tempo para olhar as necessidades da minha mãe e para resolver problemas. Administrar remédios, cuidadoras, casa, entradas e saídas de hospitais. Trabalhar para custear os gastos. Mal sobrava tempo (e vontade) de escrever. Nem de caminhar.

Tinha ficado para trás o tempo em que eu caminhava com ela e tínhamos longas conversas. Estava terminado o tempo em que eu precisava acelerar o passo para acompanhar seu ritmo.

Quando minha mãe morreu, em janeiro de 2021, ainda não era possível andar com segurança nas ruas. Ainda assim, fiquei uma semana entrando e saindo do hospital e outros 10 dias virando dia e noite lá dentro. Até o oxigênio ser desligado.

Depois foram os trâmites burocráticos, as doações de roupas, medicamentos, equipamentos. A retirada das marcas mais visíveis dela de dentro de casa. Só ficaram os retratos pela casa.

Passou mais um mês. E a vida seguia em plena pandemia. Com o luto, precisei parar outro mês e meio.

Suspendi o atendimento online aos pacientes. Paralisei a escrita da pesquisa pós-doutoral no Instituto de Psicologia da UnB, apesar do prazo para finalizar. Parei pra balanço. Pra me escutar.

Estava vivendo uma overdose.

Era muita morte acumulada por todos os poros. Três mortes na pequena família Castro em pouco tempo. Uma delas a minha mãe. Nenhuma por Covid- 19. A morte era uma visita constante nesses anos e viria de novo ainda em 2021.

Convivi dias, meses e anos com a morte aos poucos da minha mãe. Carmencita  deixava de ser ela e se tornava uma estranha para si mesma e para quem a conhecia.

Convivi com a minha própria morte simbólica. Um tipo de apagamento cada vez que ela deixava de me reconhecer. Logo ela, que havia me dado a vida como presente.

Ao mesmo tempo, havia a morte coletiva de 700 mil pessoas (números oficiais) pela pandemia. Um horror acumulado, dia após dia, transmitido ao vivo, em tempo real, apesar das tentativas oficiais de negar o caos.

Foi nesse momento que caminhar voltou a se fazer necessário. Como um sopro de vida.

Em períodos de crise e dor, caminhar me ajudou a olhar para dentro, pra mim e  para o mundo. Mesmo com medo. Mesmo sem saber onde ir.

Passei a sair de máscara, em horários onde não havia muita gente. As vezes saía com duas máscaras. Apesar da dificuldade em respirar, precisava ver vida ao meu redor.

Só depois da terceira dose aceitei um convite para passar umas semanas na praia. E foi no mar que chorei por todo o tempo de tristeza guardada.

Caminhava, tomava banho de mar e chorava. Até o dia em que simplesmente apenas caminhava, tomava banho de mar e voltava a caminhar.

Desse dia em diante não parei mais de caminhar. E eu que caminhava sozinha ou em dupla comecei a pensar que estava na hora de caminhar com outras pessoas.

Quando voltei para Brasília, procurei grupos de caminhadas.

Descobri uma outra Brasília. Durante a semana, caminhadas urbanas, na rua ou nos parques. Nos fins de semana, em florestas, no cerrado. Sem contar as caminhadas nortunas, na lua cheia.

Sozinha ou acompanhada, há um mundo a se descobrir. Ou redescobrir. Sigo caminhando”.

Em Tempo: A segunda edição da CAMINHADA DA MEMÓRIA vai acontecer no domingo,  dia 24 de setembro  de 2023 na Capital Federal.

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