O sabor do pequi

Publicado em Crônicas

Catei muitos frutos do Caryocar brasiliense durante as errâncias de menino pelo cerrado. Eu pegava para outros degustarem, pois, naquela época, tinha muito medo dos espinhos. No entanto, recentemente, aprendi a degustar o pequi com cuidado. Gostava de sentir cheiro intenso, perceptível pelo radar do olfato de longe.

O arroz com pequi foi eleito a segunda pior comida do Brasil segundo uma pesquisa feita por um site dos Estados Unidos. A comida que é muito apreciada pelos goianos e pelos mineiros e várias outros pratos de todo o Brasil foram avaliados por 5.139 mil leitores do site TasteAtlas. Por aqui, todos os jornais e programas televisivos replicaram a notícia. Mas, como diria o mestre Antonio Houaiss, permitam-me discrepar.

Não considero que os norte-americanos sejam os juízes mais abalizados para apreciar as qualidades culinárias de qualquer prato. Eles consomem alguns dos piores alimentos do mundo, não porque lhes falte dinheiro, mas por desinformação, propaganda enganosa e maus hábitos. Aqueles sanduíches fast foods processados são uma fábrica de obesos e de candidatos ao câncer e a outras doenças. Quando tinha 8 anos, meu filho era viciado em uma dessas lanchonetes de origem norte-americana famosa.

Eu tentava dissuadi-lo, sob o argumento de que aqueles sanduíches processados faziam mal à saúde. Ele ignorava e argumentava que eram deliciosos. Mas, certo dia, comeu um sanduba com salmonela, passou mal durante várias semanas e nunca mais consumiu aquele lanche. Não quero ditar regras para ninguém. No entanto, cada vez mais, considero o valor nutritivo de um alimento para escolher o que eu como.

Isso aconteceu com o pequi. Confesso que não apreciava muito o gosto do fruto do Cerrado. Mas ao conhecer melhor o valor nutritivo, passei a gostar. O pequi é riquíssimo em vitaminas A, B e E. Melhora a visão, a pele, a imunidade e reduz o colesterol ruim. E contribui para combater os radicais livres, que favorecem o surgimento de doenças inflamatórias. Nada mais discutível do que o gosto. Porque, em larga medida, o nosso gosto é construído, depende dos valores, dos costumes, da educação e da experiência.

Antigamente, bastava dar uns 20 passos no Cerrado para topar com uma árvore de pequi. Mas agora elas rareiam. Preciso comprar nas feirinhas ou nas beiras de estrada. Os vendedores dizem que o pequi vem de Minas Gerais.

A flor do pequizeiro é sensual na forma, no cheiro e na polinização. O órgão sexual masculino da flor se divide em centenas de estames, filamentos pontiagudos. Um único exemplar pode ter mais de 50 estames, explica a professora Sueli Maria Gomes, do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UNB), em entrevista a Conceição Freitas, publicada no Correio Braziliense. É uma característica pouco comum nas espécies do planeta.

A polinização acontece à noite. Não é uma fertilização convencional, não são os passarinhos ou as abelhas os responsáveis pela multiplicação das espécies. A flor do pequi escolheu um polinizador mais viril – o morcego. Os mamíferos voadores são atraídos pelo cheiro exalado pelas pétalas internas da flor, ensina Sueli Gomes: “Em cada noite, uma das três flores ficam abertas pela inflorescência quando são visitadas pelos morcegos, que fazem a polinização”.

O pequizeiro está tombado por decreto. O nome científico é Caryocar brasiliense, vem do grego caryon (núcleo ou noz) e kara (cabeça), referência à forma arredondada do fruto. A flor erótica produz o fruto do pequi é rico em vitaminas A e E, além de minerais como o fósforo. O nome com origem no tupy (py+casca) e qui (espinho). O pequi materializa a beleza, a um só tempo, áspera e delicada do Cerrado.

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