Mediúnica com Noel

Publicado em Crônicas

 

Severino Francisco

Às vésperas do carnaval, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com Noel Rosa, o genial sambista de Vila Isabel, autor de Conversa de botequim, Silêncio de um minuto, Fita amarela, entre outros. Fala, filósofo de botequim!

Todos sabem que você nasceu de parto de fórceps e ficou com o queixo afundado. Que influência isso teve em sua vida?

Noel: Eu nascendo pobre e feio, ia ser triste o meu fim, mas, crescendo a bossa veio, Deus teve pena de mim.

O que é o samba?

Noel: Sambar é chorar de alegria, é sorrir de nostalgia, dentro da melodia. O samba, na realidade, não vem do morro nem lá da cidade. E quem suportar uma paixão saberá que o samba então nasce no coração.

Como vê o culto da malandragem no Rio de Janeiro e no Brasil?

Noel: Malandro é palavra derrotista, que só serve para tirar todo o valor do sambista. Proponho ao povo civilizado não chamar de malandro e sim de rapaz folgado.

O que acha dessa mania de falar tudo em inglês: meu brother, tirar um print, ser light ou hard?

Noel: Amor lá no morro é amor pra chuchu, as rimas do samba não tem I love you. E este negócio de hello boy, hello Jones, só pode ser conversa de telefone. Tudo aquilo que o malandro pronuncia, com voz macia, é brasileiro, já passou de português. Não tem tradução.

Deixemos de frescura e falemos de coisa séria. O que acho dos planos econômicos do governo?

Noel: Neste Brasil tão grande não se deve ser mesquinho. Quem ganha na avareza sempre perde no carinho. Não admito ninharia, pois qualquer economia sempre acaba em porcaria.

Mas, algumas vezes, não é preciso impor sacrifícios para que as coisas melhorem?

Noel: O amor vem por princípio, a ordem por base, o progresso é que deve vir por fim.

O que acha da negociadora do FMI no Brasil, Ana Maria Juh?

Noel: A Juju sabe somar, sabe até multiplicar, mas na divisão se enrasca. Pois partiu o queijo ao meio, quis me dar somente a casca.

O que pensa de quem se acha?

Quem acha vive se perdendo.

Como gostaria de ser tratado quando morresse?

Noel: Quando eu morrer não quero choro e nem vela, quero uma fita amarela, gravada com o nome dela. Se existe alma, se há outra encarnação, eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão. Luto preto é vaidade, nesse funeral do amor. O meu luto é saudade e saudade não tem cor.

Valeu, grande Noel. Poderia fazer uma saudação final para os leitores do Correio?

Noel: Saudações ao seu vizinho, abraços no cachorrinho, um chute na almofada, porque já se acabou o meu carinho.

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