José Perdiz

Publicado em Crônicas

 

Severino Francisco

 

A história de José Perdiz, que nos deixou no início da semana, aos 89 anos, é pungente e muito característica de Brasília. Em uma cidade de mandatários desamantes da arte, ele transformou a oficina mecânica onde trabalhava em um teatro.

 

Mas nada foi tão simples. Precisou lutar muito para manter o espaço, sempre ameaçado pela burocracia em conluio com a especulação imobiliária. Em 2000, a turma das artes cênicas formou um cordão humano para defender a casa de espetáculos de uma ação de derrubada.

 

É uma história comovente de amor à arte. Perdiz não era um intelectual, não frequentou os bancos das universidades, mas tinha sensibilidade e gosto pela cultura. As pendengas judiciais se arrastaram de 2000 até 2019, quando, graças à mobilização dos brasilienses amantes da cultura, ele recebeu a escritura definitiva de um lote na 710 Norte para instalação do teatro.

 

Claro que é importante restaurar e manter o Teatro Nacional, a pirâmide de Niemeyer, que demarca a Esplanada dos Ministérios, com o futuro que já aconteceu, como diria Clarice Lispector. No entanto, as grandes atrizes e os grandes atores não se formam nas salas suntuosas. Eles se forjam é nos teatrinhos da UnB, no Teatro Galpão, no Teatro Garagem, no Teatro Goldoni, no Teatro do Perdiz, nos teatrinhos de fundo de quintal.

 

Só depois frequentam as pirâmides. É fundamental que os teatrinhos se espalhem pela cidade. Nos tempos em que trabalhei no caderno Turismo, conheci, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Recife, várias penitenciárias, armazéns do porto, estações ferroviárias desativadas e bairros inteiros transformados em centros culturais. Enquanto isso, em Brasília, os espaços que existem têm dificuldade em sobreviver ou simplesmente desapareceram em razão do descaso.

 

Entre 1991 e 1992, o Teatro do Perdiz recebeu um público de 7, 5 mil pessoas. Lembro de uma foto antológica em que Perdiz segura um puríssimo vira-lata em frente a seu teatro-oficina. Os burocratas e os especuladores se acham muito espertos. Eles costumam ganhar as batalhas e ficar mais ricos, mas a cidade fica mais pobre de espírito.

 

O teatro é uma arte presencial, efêmera e fugaz. A tecnologia da comunicação ensejou inúmeras linguagens. Mas a arte milenar permanece um ritual e um acontecimento insubstituíveis. Eu acho que Samuel Beckett ficaria feliz em saber que Esperando Godot, clássico do teatro moderno, foi encenada em um teatrinho improvisado em cima de uma oficina mecânica no Brasil.

 

Perdiz faz parte daquele time de pessoas preciosas para uma cidade em formação. É uma das pessoas que humanizaram Brasília. Ele deixa como legados o amor à cultura e a arte da resistência, tão essenciais nos tempos de obscurantismo que vivemos.

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