Tem coisa que não se pode mudar. Dia desses fui ao quiosque do Ivan, no Setor de Diversões Norte, que o povo chama de Conic, para comprar o livro do Vicente Sá e voltei de mãos vazias pelo simples e acachapante fato de que o quiosque não está mais lá. Melhor dizendo, continua lá, mas fechado e com o perímetro limitado por um tapume.
O quiosque é uma estrutura de concreto, arredondada, originalmente construída para ser uma banca de jornais e revistas, mas passou a maior parte da existência fechada, até que Ivan retomou sua carreira de livreiro ali mesmo. E ele ainda colocava umas prateleiras e bancas do lado de fora repletas de livros e numa ordem que só ele conseguia entender.
Perguntei nas redondezas para saber se o Ivan tinha encontrado outro canto para vender seus livros, mas ninguém soube dizer. E olha que não falta loja vazia naquele centro comercial que fica no coração da cidade tombada; fiquei sem vê-lo e voltei para casa sem o livro.
Ivan Presença herdou o sobrenome da livraria que manteve por muitos anos perto dali, fazendo uma saudável concorrência ao Hargreaves, da Casa do Livro, que ficava na ponta sul do conjunto. Os dois foram engolidos pela dupla crise: financeira, movida por seguidos planos econômicos, e ausência de leitores.
Ainda usando boina, provavelmente a mesma de anos atrás, ele estava pelejando pelas letras e pela sobrevivência com o pequeno quiosque, localizado no conjunto central do desolado Conic que, se ostenta um moderno e colorido painel de LED na fachada, não consegue esconder a crise no miolo.
Lembra minha avó dizendo: por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento, sem me explicar quem pôs pão no miolo da viola. Dezenas de lojas fechadas, corredores imundos, rotos já acostumados aos poucos transeuntes e muita gente de cara pouco feliz. Resiste a Berlim Discos, antiga barricada de roqueiros que hoje são gordos e respeitáveis (ou não) senhores, agora acompanhada de outros sebos de discos de vinil.
Não cheguei a conferir se os antigos cinemas do fundo continuavam ocupados por igrejas neopentecostais, como ainda ocorre com o velho e imponente Atlântida, nem se a velha loja de sucos naturais e vitaminas estava aberta. Nem se as boates do subsolo – e que delimitavam o bas fond da capital – ainda funcionavam.
A frustração por não ter encontrado o quiosque do Ivan e a pressa cotidiana me fizeram ir embora antes de perscrutar um pouco mais. Sabia que não iria encontrar muito mais do que estava à vista: restaurantes que vendem a quilo, cabines de filme pornô, sapatarias e óticas. Se toda grande cidade tem um centro decadente, ali jaz o de Brasília.
Não desisti das minhas buscas. Ivan tem letras no sangue, está em algum canto, por trás de seus óculos fundo-de-garrafa, oferecendo algum livro “sensacional” e é fiel depositário de parte da tiragem do livro que Vicente Sá insiste em esconder – talvez para justificar o tom misterioso de seus contos/crônicas, cheios de personagens sobrenaturais. Vou atrás.