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Luto no bar

Publicado em Crônica

Ele não é aquele amigo que vai na casa da gente ou que chora as agruras da vida, embora ouça um bocado. Não se deve esperar dele um grande conselho ou nada que vá além do consolo, até porque ele está trabalhando enquanto você está curtindo alegria ou fossa. Também não é o chapa que empresta dinheiro ou capaz de deixar a gente levar um livro ou um disco. Não chega a ser aquele irmão camarada, mas está sempre à espera.
O garçom já foi saudado em músicas populares de todos os estilos, de todas as maneiras. Há o paciente que Noel Rosa descreveu em Conversa de Botequim, o compreensivo cantado por Reginaldo Rossi em Garçom, o leniente que César e Paulinho descrevem em Garçom Me Ajude, o cúmplice que Bruno e Marrone apresentam em A Dama de Vermelho ou o solidário de Nos Bares da Cidade, da Eduardo Costa.

A lista não para por aí; é imensa, e mostra os garçons como elementos essenciais para a convivência e conforto humanos, já que ele quase sempre aparece como suporte emocional, seja pelos ouvidos generosos ou equilibrando a bandeja com copos e bebidas. Por isso os governantes deveriam pensar trinta e três vezes antes de fechar bares e deixar garçons – trabalhadores essenciais – sem serviço e a população sem conforto.

O garçom é um personagem indissolúvel da vida urbana, mas diferentemente do motorista de ônibus, do gari, do rapaz da farmácia – todos também imprescindíveis – ele oferece mais do que o serviço para o qual é pago (daí a importância das gorjetas). E não é preciso estar sofrendo dos chamados males do coração para contar com a solidariedade deles e que nem sempre é recíproca.

Há quem prefira os garçons invisíveis, à moda britânica, que só aparecem em caso de necessidade absoluta, como os mordomos de filme. Mas o melhor é o que sabe a hora em que deve aparecer, nem que seja para tomar as chaves do carro do cliente. Ou que, quando convocado, sabe conversar.

Há poucos dias perdemos um desses inestimáveis amigos, vítima do vírus. Nilson Fernandes era um dos garçons mais antigos da Whiskeria Berlim, da Asa Norte, verdadeiro embaixador do bar, que desenvolveu uma espécie de premonição; a garrafa de uísque com o nome no rótulo aparecia na mesa do freguês segundos após a chegada.

Nilson (na foto acima) era um homem de sorriso aberto, fala suave, baixa e conversa boa. Não se incomodava nem com o tormento de usar um quepe de feltro que esquentava os miolos, exigência do primeiro proprietário do bar, motivo de irritação dos colegas. Foi abolido quando o bar mudou para as mãos do Canindé. Nem o suor descendo pelas têmporas parecia abalar seu bom humor.

A velha turma está afastada do lugar; dificuldades com a lei seca e, agora, com a pandemia. Mas ninguém vai lembrar do Berlim por causa do uísque honesto, do pão de queijo na chapa ou das salsichinhas com batata. O que vai fazer falta mesmo é a cordialidade do Nilson.

Publicado no Correio Braziliense em 25 de abril de 2021