Assombração não é, porque o espaço é aberto demais e alma penada gosta de um escurinho. Mas não dá para negar que a concha acústica de Brasília carrega uma maldição desde o início de sua história – ninguém consegue explicar porque ela foi inaugurada só em 1969, depois de receber espetáculos desde o ano um da nova capital, estreando com a apresentação do Balé Municipal do Rio de Janeiro.
Nos primeiros tempos, os anos candangos, a concha foi o palco de grandes espetáculos que se aproveitavam do longo período de estiagem. Um deles pelo menos passou para a história como a primeira aglomeração depois da festa da inauguração: quase 30 mil pessoas de uma população em torno de 400 mil plebeus, cantaram e dançaram com a realeza do iê-iê-iê – Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa – em 1967.
A Concha Acústica de Brasília merece ser visitada mesmo sem espetáculo, à beira do lago, com um desenho que respeita a integração do concreto com a natureza e se aproveita da exuberância do céu e da proximidade com a água. É uma das mais injustiçadas obras de Oscar Niemeyer, já que aparece em poucos catálogos, mas só a escadaria diante da concha propriamente dita, como se fosse uma continuação do palco, merece ser apreciada.
Se há algum defeito, ele é comum à maioria das obras do arquiteto: o distanciamento de árvores e a ausência de paisagismo, para não tirar a atenção das linhas de concreto. Com Niemeyer, o concreto sempre vence.
A maldição, no entanto, independe da beleza, pois a Concha foi fechada e reaberta algumas vezes. Em setembro de 2014 foi reinaugurada depois de passar por mais uma reforma. OK. Mas nada aconteceu dali para frente e a falta de uso fez com que os equipamentos se deteriorassem, até que alguém resolvesse desafiar a maldição e espantar os fantasmas, que hoje disputam espaço com as capivaras no local.
Eis que Bartô liga para dizer que a concha acústica está de volta. Depois de anos de inatividade, o espaço foi mais uma vez revitalizado, reaberto e terá uma ocupação mais permanente. Bartô é Bartolomeu Rodrigues, secretário de cultura, desenhista de passarinhos, fabricante de sorvetes, contador de ‘causos’, tocador de Cajon, jornalista – como se vê, quase um homem da Renascença. Agora, também candidato a exorcista.
Cheio de ideias, incluindo muitas exibições cinematográficas, ele quer mostrar que a Concha precisa ser valorizada não apenas como mais um monumento projetado por Niemeyer, mas como espaço cultural e útil para a comunidade. O desafio é manter uma programação permanente no local, que atraia as pessoas para os desconfortáveis bancos de concreto e sem encosto. Se não for assim, a Concha se fecha novamente.
Mas Bartô é de Serra Talhada, terra de Lampião, gente valente, que não tem (muito) medo de visagem. E quer aproveitar o resto da temporada de seca para aplicar o exorcismo cultural no equipamento, mesmo com todos os impedimentos provocados por essa pandemia sem fim. Afinal, quem nadou no rio Pajeú não se deixa vencer. Torcemos por ele.
Publicado no Correio Braziliense em 22 de agosto de 2021