Estamos chegando àquela idade em que nem é mais preciso tomar um gole de bebida destilada para sentir a cabeça rodando naquela tontura suave que nos arranca da realidade por alguns segundos. Agora, para obter o mesmo efeito, basta levantar da cama com um pouquinho mais de velocidade. Ou, se conseguir, fazer um agachamento e levantar. A sensação é a mesma e nem precisa tira-gosto.
Depois dos 60 anos, a tolerância do corpo ao álcool diminui; a metabolização hepática fica mais lenta, assim como a função renal, o que, entre outras coisas aumenta a tendência a desidratação. E tudo isso sabemos porque tem médico na roda; uns mais, outros menos conscientes.
Mas o pior de tudo é a conversa do bar que vai ficando torta. Ninguém mais fala de futebol, da garota da Playboy (até porque acabou e o pessoal ainda fala da Rose di Primo), das platitudes que fazem a vida valer a pena. É só alguém bobear que alguém logo comenta de uma dorzinha aqui ou ali, de uma condição qualquer, de um remédio recém-lançado.
E como num daqueles clubes sofisticados só para gentil-homens que a gente vê em filme inglês, vai se formando uma confraria. Uma não, várias. Tem os frequentadores de todo dia, os que só podem ir aos sábados, os da quarta à noite, e assim por diante. E em todas elas há um controle de presença.
É necessário. Ninguém quer saber mais da vida dos outros do que o estritamente necessário, mas a ausência preocupa. Outro dia mesmo, um companheiro sumiu; tinha sido internado às pressas e passou uma temporada na UTI porque ouviu a conversa de outro confrade e tomou uma dessas poções mágicas para perder uns quilinhos. Quase ficou só com os ossos.
Um efeito colateral é o aumento da minutagem da conversa sobre doenças, remédios e quetais. Havia um acordo, numa dessas confrarias, de que não se falava mais do que dez minutos nesses assuntos. O acordo morreu.
A vantagem é que ninguém está ali para afogar mágoas, como esse povo que usa o copo para fazer psicanálise ou simplesmente para embotar o pensamento. Até dia desses. O rapaz sentou-se já com um copo na mão e virou; pediu mais duas e virou. Pediu a quarta dose dupla e a nossa mesa já olhou feio para o proprietário, porque tonto é sinal de confusão e quem gosta de confusão é PM.
Mas o estrago já estava feito. O rapaz precisava falar e começou um monólogo sobre o amor, a paixão e a fidelidade. A mesa inteira já sabia: era traição. Arrependido, o dono do bar o encaminhou, conversando com jeito, para a saída. E o que ele disse?, quisemos saber.
E o Luiz falou: “Disse que sabia o que era ser fiel e desprezado. Eu sei de tudo, eu vejo tudo e me conformo, mas qualquer dia ela vai ficar chorando”.
E de onde você tirou isso?, perguntamos. Ele se virou para aquele bando ignorante e disse balançando a cabeça para os lados: – Waldick Soriano, uai.
Publicado no Correio Braziliense em 3 de março de 2023