A tal gentrificação é um fenômeno antigo que ganhou apelido novo nessa onda de dar nome inglês sem traduzir ou explicar, só adaptando a grafia. Podíamos chamar de revitalização, mas como o português é uma língua morta, let’s go.
É um processo elitista, como o nome demonstra – vem de gentry, aristocracia, gente bem – que procura recuperar áreas degradadas das grandes cidades, valorizando imóveis ao redor e reintegrando o local às áreas nobres.
Parte importante dessa gentrificação é a expulsão de pessoas que moravam em determinado lugar e têm que mudar por falta de condições financeiras para permanecer naquele canto, revitalizado e valorizado. Ando me sentindo assim, ultimamente.
Os botecos em que apareço não melhoraram em nada, mas estão sendo invadidos por autoridades, gente bacana, com tornozeleiras eletrônicas do último tipo, que antigamente era vista nos restaurantes mais sofisticados, desses com valete na porta.
A última aconteceu no Silvio’s, na 114 norte, enquanto traçava o melhor sarapatel da cidade. Quando levantei a cabeça, estava lá o senhor ministro e comitiva. Não era um ministro qualquer, desses de igreja; era Blairo Maggi, da agricultura, o que cuida do rebanho nacional, atracado a um contra-filé.
Não foi a primeira vez; poucos dias antes estava no mesmo lugar o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, e de outra feita foi a vez do presidente da Caixa. É um lugar de atendimento público, é só pedir e pagar, mas me senti desconfortável.
O mesmo tem acontecido em outros botequins e restaurantes populares da cidade. Autoridades e ex, que perderam o cargo, mas continuam na cidade em busca de boquinhas, sentam-se nas mesmas cadeiras de plástico que nós, mortais, bebendo nos mesmos copos sujos e tentando se misturar nas rodas.
– Ih, lá vem aquele ministro chato de novo – disse o Faixa, no bar do Luís. – Vamos mudar de assunto.
Era aí que eu queria chegar. Num ambiente que tem autoridade a gente não pode falar abertamente sobre a pauta da semana; dá arenga. O pessoal está ali é para debater mesmo, trocar ponto de vista, as vezes até de forma hiperbólica. Mesmo que a autoridade não esteja na mesma mesa, é preciso moderar a língua para que tudo não degringole – na discussão não cabe penetra, ainda mais com patente.
Como falar mal do corifeu petista perto de um sujeito que esteve tão próximo? No mínimo, parece falta de educação; no máximo, provocação. É a mesma coisa com o Aécio; se bem que esse é um tema liberado, todo mundo pode falar mal dele; muitas vezes vira coro.
Essa coisa de autoridade querer ser gente comum é parte dessa maluquice politicamente correta e dessa vigilância implacável sobre a vida de todo mundo – a impressão é que tudo hoje é filmado, seja viaduto desabando ou alguém comprando mandioca na feira.
Desde que as autoridades deixaram de usar polainas e pincenê começou esse populismo de achar que são gente como a gente. Daqui a pouco vão querer eleger presidente um sujeito que não tem nem o primário completo.
Publicado no Correio Braziliense em 2 de março de 2018