O incêndio das bandeiras

Publicado em ÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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A partir de 2026 em diante, quando a Reforma Tributária começar a entrar em vigor, terá início também o que pode vir a ser o fim definitivo do que conhecemos por República Federativa do Brasil, estruturada pela Constituição de 1988. Os entes federativos, como Estados, Municípios e o Distrito Federal terão suas autonomias e competências específicas diminuídas em alto grau, acabando, de vez, com a descentralização, o que vale dizer, com a própria identidade de cada um desses membros.

A questão é simples: ao centralizar, nos cofres da União, boa parte dos recursos captados em cada uma dessas entidades, direcionando-os prioritariamente para o Tesouro Nacional, Estados, Municípios e o Distrito Federal ficarão à mercê do bom humor do chefe do Executivo e do tipo de relação político e ideológica mantida com o poder central. Sem recursos para manter suas necessidades locais, essas entidades passarão a engrossar a fila de pedintes na porta do Palácio do Planalto e dos Ministérios. Com isso, aumenta também o grau de subordinação ao governo central, em desrespeito tanto às leis orgânicas locais, como à própria Constituição, já que o federalismo é uma normativa constitucional, gravada logo no seu artigo 1º.

A subordinação financeira acarretará ainda a subordinação política ao comando central, favorecendo cada vez mais a centralização do poder nas mãos do Executivo. Tirar o ICMS dos estados, que, numa análise rápida, representa 88% das receitas estaduais, e o ISS dos municípios, que representa, em média, 45% do que eles possuem para gastar com seus encargos, é a pá de cal na sepultura da federação. Sem dinheiro não pode haver um mínimo de atividade nos estados e nos municípios.

Para os partidos que possuem em suas diretrizes ideológicas a centralização do poder numa legenda única, essa reforma vem como uma luva em seus intentos, pois decreta o fim da pluralidade, obrigando os entes federados a viver de mesadas, distribuídas de forma assimétrica e sem critérios objetivos.

Para um país continental como o nosso, com imensa diversidade cultural e geográfica, com seus problemas próprios, a Reforma Tributária irá trazer uma espécie de pasteurização política, eliminando a pluralidade na tentativa de recriar um país cuja identidade é aquela desenhada pelo poder central. A própria história do país terá que ser recriada de acordo com as novas diretrizes da União. Pluralidade e divisão do poder é o principal pilar da democracia. Sem essas bases primárias o que se tem é tudo, menos democracia.

O espantoso é verificar que nenhum país democrático do Ocidente possui um modelo de centralização tributário como esse que entrará em vigor em 2026. Também pudera, nenhuma democracia digna do nome resistiria à tamanha centralização de poder nas mãos de uma só pessoa ou grupo hegemônico. Nesse ponto, o que estamos assistindo é a repetição da vexaminosa queima das bandeiras estaduais, realizada na Praça Roosevelt, no Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1937, por ordem do então presidente Getúlio Vargas.

Naquela ocasião, as bandeiras dos estados foram solenemente cremadas, pois haviam sido abolidas pela constituição autoritária daquele ano, que concentrava, nas mãos de Vargas, todo o poder de restringir a autonomia dos estados, nomeando, para cada um deles, um interventor antenado com o poder central. Nessa ocasião ,os partidos foram abolidos e estabelecida também a censura prévia aos meios de comunicação, com prisões em massa de opositores e outras medidas autoritárias.

Na verdade, o que está em jogo agora com essa reforma é o futuro dos brasileiros, a autonomia e pluralidade de cada recanto deste país, em nome de um genuíno confisco de receitas. Quem enxerga todos esses problemas na mencionada reforma não é esta coluna, mas todos os grandes nomes ligados à questão tributária, que vêm alertando políticos e todos que podem de alguma maneira intervir nessa questão.

Não há dúvida de que essa reforma irá provocar um desvio federativo irreversível, entregando mais de 5 mil municípios às vontades e veleidades de um comitê gestor, que nada mais é do que o próprio governo central. Quando o peso da maioria cede lugar a uma minoria interessada apenas em seus benefícios imediatos, a situação tende, como já vista, a regredir ao ano fatídico de 1937.

 

A frase que foi pronunciada:
“Quem não aguenta o trote não monta o burro.”
Getúlio Vargas

Getúlio Vargas. Foto: memorialdademocracia.com

História de Brasília
O deputado Esmerino Arruda arrombou o depósito, de lá retirando grande quantidade de leite, distribuido demagogicamente entre a população pobre. (Publicada em 26.04.1962)

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