VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Você parece estar perguntando se organizações criminosas brasileiras como o PCC (Primeiro Comando da Capital), o CV (Comando Vermelho) e outras poderiam vir a se constituir, um dia, como organizações paramilitares ou até políticas — talvez nos moldes de grupos armados ou milícias que, em outros contextos, assumiram papéis de poder institucional ou regional. De fato, isso já ocorre. Organizações como o PCC e o CV, embora não sejam paramilitares no sentido clássico (com ideologia política explícita ou objetivo de tomada formal do poder), possuem, como é sabido, estrutura hierárquica, armamento e controle territorial em favelas e periferias urbanas, tudo muito similar às milícias ou grupos insurgentes em outros países. Afinal, já controlam comunidades inteiras, impõem regras, aplicam “justiça”, cobram impostos (“arrego”) e negociam com políticos e policiais. Em alguns casos, como em partes da Amazônia ou do Nordeste, já há controle de rotas logísticas e até pactos locais de governança informal com elites corruptas ou agentes do Estado. Pior é: e se um dia vierem a se transformar em partidos ou forças políticas oficiais? Financiar candidatos, isso eles já fazem. Mas tudo isso vai depender do grau de deterioração do Estado democrático e do pacto social.
Diferente das FARC na Colômbia ou do Hezbollah no Líbano (que têm discursos ideológicos e legitimidade entre parte da população), o PCC e o CV não possuem, por enquanto, um discurso político claro. São essencialmente organizações voltadas ao lucro, por meio do narcotráfico, extorsão, roubo e outras modalidades de crime. No entanto, não se pode negar que há um histórico antigo de alianças com políticos locais, especialmente em regiões onde o Estado é ausente, e isso, obviamente, pode se intensificar com o tempo. Agora, caso o Estado brasileiro entre em um processo de colapso institucional severo (sendo a corrupção a indutora desse colapso), ou haja um processo extremo de fragmentação federativa, é possível que esses grupos venham a se institucionalizar, como máfias que se tornaram partidos ou milícias que viraram governos locais. Tudo vai depender da saúde institucional e ética dos poderes. Mas em relação às milícias do Rio, vários indícios e evidências mostram que já têm um pé no mundo político, com vereadores, deputados e até governadores ligados a essas redes. O avanço delas dentro do Estado é mais claro do que o das facções tradicionais.
Nesse sentido, as milícias são, por enquanto, o elo mais visível entre o crime organizado e o poder político institucional no Brasil. Verdade seja dita, o PCC e CV já operam como Proto-Estados paralelos em algumas áreas. A transformação em uma força paramilitar explícita ou política organizada pode ser improvável a curto prazo, mas não inconcebível a longo prazo, especialmente se o que assistimos no dia levar-nos ao colapso institucional do Estado. No entanto, é preciso aceitar que o futuro urbano de grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo diante do fortalecimento do crime organizado é, para dizer o mínimo, nebuloso.
Em São Paulo, o PCC atua com baixa visibilidade e alta organização, quase como uma empresa clandestina com cadeia logística e disciplina interna. O Estado, praticamente “coexiste” com ele. No Grande Rio, há três forças paralelas disputando território: CV, TCP (Terceiro Comando Puro) e milícias armadas ligadas a ex-policiais, que cobram taxa de segurança, vendem gás, internet e fazem justiça à margem da lei. Caso o crime organizado consiga penetrar nas estruturas políticas locais, como vereadores, prefeituras, associações de bairro, a coisa está feita. Pois eles podem facilmente influenciar decisões de urbanização, como transporte, serviços públicos. Além, é claro, de controlar o “voto de cabresto” nas favelas e periferias. O cenário futuro promete o aumento da favelização e de “zonas autônomas” de fato, que são áreas onde a polícia não entra ou entra apenas com operações de guerra.
Entra, ainda nesse rol de infortúnios, a questão da liberação dos jogos de azar, que pode facilitar ao máximo a lavagem de dinheiro. Mas isso depende também do enforcement do Estado ou sua capacidade de ações e procedimentos legais para garantia das leis. Facções e milícias já atuam em bicheiros, caça-níqueis, máquinas ilegais e apostas online. E com a legalização dos jogos físicos, passaram a criar casas de apostas como “fachadas”, onde declaram lucros fictícios em jogos de baixa fiscalização. Com isso, misturam dinheiro limpo e sujo, dificultando rastreamento. Além disso, se utilizam de “laranjas” e empresas de fachada para abrir cassinos, bingos e plataformas online. É preciso evitar a todo custo a transformação do crime em uma espécie de “capitalismo criminoso sofisticado”. Na questão dos jogos de azar, onde os lucros são bilionários, a corrupção na máquina do Estado favorece, ainda mais o crime. A verdade é que foi dada liberação dos jogos de azar sem uma devida regulação forte. Seria necessário empreender uma colaboração direta entre Receita Federal, COAF, Polícia Federal, MPF e bancos. O que não podemos negar é que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo enfrentam uma erosão progressiva da autoridade estatal em muitos territórios populares.
A frase que foi pronunciada:
“Uns venceram por seus crimes, outros fracassaram por suas virtudes.”
William Shakespeare
HISTÓRIA DE BRASÍLIA
Os pontos de taxis na W-3 estão tomando espaço demais, além do necessário. É um abuso, porque enquanto sobram 10 vagas em cada posto, os carros particulares têm que estacionar longe demais, e às vêzes não há local. (Publicada 04.05.1962)