VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Um pouco mais de 1,4 milhão de pessoas exercem hoje, em nosso país e de forma regular, a atividade de advocacia. Isso dá uma média de um advogado para cada 140 brasileiros. Trata-se de uma das maiores proporções de advogados por habitante do planeta. Talvez perca para a populosa Índia, que conta hoje com aproximadamente 2 milhões de causídicos. Esse fenômeno pode fornecer uma pista para entendermos parte da própria dinâmica das relações sociais em nosso país. Talvez, por isso, milhões e milhões de processos, de todos os tipos e de todos os tempos, acumulam-se hoje nos diversos escaninhos do Estado. Muitos desses processos irão ser deixados às calêndulas, extintos por decurso de prazos e outros males da burocracia.
Ocorre que, no meio desse baú, existem também aqueles processos, cujos protagonistas são servidos pelos melhores escritórios da praça, onde os honorários justificam a defesa a qualquer custo. Esses, obviamente, chegam a termo em tempo recorde e sempre em atendimento à nobre defesa. Com isso, também,são formados nichos de escritórios de advocacia, cujo esplendor econômico advém honorários impublicáveis.
Numa situação dessa natureza, boa parte da dinâmica das relações sociais acaba sendo alterada, pois a justiça passa a ser exercida por um pendor econômico, atendendo assim àqueles que estão acordados, ou seja, com boa retaguarda, deixando a maioria que dorme, ou seja, aquela que apenas sonha com justiça, deixada na beira da estrada.
Essa constatação lança luz sobre uma realidade complexa e desconcertante do sistema jurídico brasileiro: a impressionante quantidade de advogados e a enorme judicialização da vida social, em contraste com o precário acesso à justiça para a maioria da população. A proporção de advogados e a excessiva judicialização de tudo é um fenômeno nosso. Essa realidade mostra uma cara do Brasil onde a sociedade é fortemente judicializada. Não se trata aqui de justiça, mas de querelas judiciais. Isso pode indicar tanto um elevado grau de litígio nas relações sociais, quanto uma estrutura institucional que empurra os conflitos para a via judicial por falta de soluções administrativas ou alternativas extrajudiciais eficazes (como a mediação ou conciliação).
A justiça de baixo clero pouco interessa aos advogados. Pois hiper judicialização não significa, no entanto, acesso efetivo à justiça. Pelo contrário: revela uma disputa desigual por esse acesso. A massa de processos que se acumula nos escaninhos do Judiciário, muitos dos quais fadados à prescrição, mostra um sistema lento, sobrecarregado e seletivo. Existe, de fato, uma desigualdade no acesso à Justiça em nosso país, embora tenhamos uma das justiças mais caras do planeta.
Temos, do ponto de vista da sociologia, uma sociedade onde uma minoria está desperta e atuante, contra uma maioria que dorme, formada por cidadãos comuns, sem recursos ou representatividade, cujos pleitos se perdem na morosidade kafkiana da máquina judiciária. “Dormientibus non succurrit jus”, diz a máxima latina do Direito.
Aqueles, amparados por escritórios caros e especializados, obtêm decisões rápidas, estratégicas e, por vezes, moldadas à conveniência de seus interesses econômicos ou políticos. Nada disso é novidade entre nós, embora continue sendo uma prática absurda. Esse retrato espelha ainda um fenômeno mais amplo: a mercantilização da justiça, em que os direitos tornam-se proporcionalmente acessíveis à capacidade de pagamento dos indivíduos.
A equidade, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, é fragilizada, se não ignorada. Com isso, temos a violência e corrupção como pano de fundo de um Brasil adoecido. Essa análise se torna ainda mais crítica ao ser contextualizada com dois traços estruturantes da sociedade brasileira: a violência e a corrupção endêmica. Somos, de fato, uma das sociedades mais violentas do mundo, com taxas elevadas de homicídios, desigualdade social aguda e uma sensação crônica de impunidade. A corrupção, disseminada em todos os níveis — do poder executivo aos pequenos órgãos administrativos —, distorce o funcionamento das instituições, inclusive do Judiciário. Quando as decisões judiciais passam a ser percebidas (ou de fato são), orientadas por interesses econômicos, políticos ou corporativos, isso mina a confiança pública no sistema e alimenta o descrédito da lei. Temos advogados de mais e justiça escassa.
Essa justiça seletiva reforça a desigualdade, perpetua a violência estrutural e institucional, e gera uma sensação de orfandade cívica para grande parte da população. Em vez de promover a pacificação social, o sistema acaba sendo um fator de perpetuação do conflito.
A frase que foi pronunciada:
“A burocracia dá à luz a si mesma e depois espera benefícios de maternidade.”
Dale Dauten
História de Brasília
O DTUI está com uma mostra excelente do que está fazendo, e do que não pode fazer. Não está, entretanto, ao seu alcance, o que é mais essencial: a compra de cabos para instalar novos aparelhos. (Publicada em 04.05.1962)