Fernando Haddad Ministro da Fazendo foi convidado para evento em Moçambique

Haddad entrega para Deus definição do arcabouço fiscal nesta quarta-feira

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, jogou para Deus a expectativa para definir o arcabouço fiscal nesta quarta-feira (29/3). Ao ser questionado por jornalistas se a âncora fiscal sairia hoje, ele respondeu: “Se Deus quiser.” Em seguida, entrou no carro com o secretário-executivo da pasta, Gabriel Galípolo, em direção à Residência Oficial da Câmara para tratar sobre o mérito de medidas provisórias que serão votadas. 

 

Ontem, após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)  no Palácio do Alvorada, Haddad disse que haveria uma reunião “conclusiva” para a definição do novo arcabouço fiscal, em substituição do teto de gastos – emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação do ano anterior – hoje. A previsão inicial era que a conversa de Lula com Haddad  e os demais ministros da Junta de Execução Orçamentária (JEO), ocorresse pela manhã, entre 10h e 11h, no Palácio do Alvorada, mas ainda não há um horário marcado para o encontro, que não está na agenda de nenhum dos ministros que integram a Junta e, muito menos, na agenda de Lula.  De acordo com fontes do Planalto e da Fazenda, a reunião sobre o arcabouço deverá ocorrer à tarde, provavelmente por volta das 16h.

 

A JEO do novo governo é integrada pelos ministros e ministros da Fazenda, Fernando Haddad; da Casa Civil, Rui Costa; do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet;  e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.  De acordo com Haddad, o ministro da Casa Civil está gripado e continuava na Bahia e, por conta disso, não foi possível realizar a reunião da Junta ontem. “Ele estava com quadro gripal. Eu não sei se ele vem hoje ou se voltou”, afirmou.  A Casa Civil, contudo, ainda não confirmou se ocorrerá a reunião da JEO do arcabouço hoje. O Planejamento também não confirmou o compromisso na agenda da ministra Tebet.

 

O novo arcabouço fiscal está sendo aguardado pelos agentes financeiros e pelo Banco Central, porque a regra será importante para todos fazerem projeções sobre o desempenho das contas públicas nos próximos anos e o impacto na inflação, que continua pressionada. Sem ele não é possível prever um equilíbrio fiscal, uma vez que o governo não está sinalizando, de forma clara, como pretende controlar as despesas após a ruína do teto de gastos – que vem sendo alterado desde 2019. 

 

Lula tinha adiado a definição do arcabouço para abril, em virtude da visita de Estado à China. Contudo, o cancelamento da viagem presidencial fez com que o assunto ficasse para esta semana.  Haddad tem dito que o texto está pronto, com os ajustes solicitados pelo presidente na reunião em que ele apresentou o desenho da nova âncora fiscal.  Agora, é preciso que o presidente confira os ajustes para bater o martelo e a equipe econômica anunciar a medida e encaminhar a proposta ao Congresso. O ministro e técnicos da pasta trabalham com a expectativa de que o anúncio oficial da nova regra ocorra ainda nesta semana. 

 

Ata do Copom

 

Em ata divulgada ontem, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, reforçou os alertas do comunicado da última reunião do colegiado, ocorrida na semana passada, quando os diretores do BC decidiram manter, por unanimidade, a taxa básica da economia (Selic) em 13,75% ao ano. O documento detalhou os motivos da decisão, pois as previsões de inflação continuam piorando, ou seja, as expectativas estão desancoradas, no jargão do Comitê, que não deu data de quando pretende reduzir os juros. Entre os recados do Copom na ata, destacam-se a observação da necessidade de harmonia entre a política monetária e a fiscal e as incertezas em torno do novo arcabouço, que precisará ser “sólido e crível” para começar a ancorar as expectativas de inflação após sua aprovação pelo Congresso. Ao mesmo tempo, demonstrou preocupação com medidas parafiscais que devem ser adotadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por bancos públicos, que podem aumentar as pressões de inflação no balanço de riscos do BC. Subsídios para um juro neutro de 4%, como reforça o Banco Central, exige um custo alto de aportes nesses bancos que não está previsto no Orçamento.  

 

No documento, o BC também lembrou que a dinâmica inflacionária é movida por excessos de demanda, “inicialmente em bens e que atualmente se deslocou para o setor de serviços, e que, portanto, requer moderação da atividade econômica para que os canais de política monetária atuem”. E, portanto, tal processo exige “serenidade e paciência” na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas. 

 

Nesse sentido, o Copom destacou na ata a piora das projeções do BC e do mercado, acima dos centros das metas de inflação para os anos de de 2023 e de 2024, de 3,25% e de 3%, com tetos de 4,75% e de 4,5%, respectivamente. No último boletim Focus, as expectativas de inflação apuradas pela autoridade monetária subiram para 6%, neste ano, e 4,1%, no próximo ano.

 

Não à toa, a frase que mais incomodou o governo no comunicado da semana passada foi mantida nesse cenário preocupante e ressasaltou que “os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. Mas um respaldo para a  ata cheia de alertas foi um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrando aumento das pressões nos preços das commodities e recomendando aos Bancos Centrais tenham a inflação como foco de suas respectivas políticas monetárias.

 

Após reunião com Lula, ontem, para tratar da nova taxa do consignado, Haddad evitou criticar a ata do Copom e disse que os termos foram “mais condizentes com as perspectivas de harmonização entre as políticas fiscal e monetária”. Em seguida, ao ser questionado no recado ao governo para ter paz e serenidade porque a inflação é de demanda, Haddad respondeu que a autoridade monetária “também tem que nos ajudar”, porque a economia “é um organismo que tem dois braços, um ajudando o outro”.

 

Analistas, contudo, não acharam que o Banco Central amenizou o discurso como Haddad avaliou. Para eles, o BC ampliou o leque de alertas ao governo. “Infelizmente, o Banco Central está certo. Não adianta, agora, reduzir os juros. O primeiro passo quem tem que dar é o governo, porque o BC não tem alternativa. É preciso tornar o arcabouço fiscal conhecido para que o Copom comece a simular os modelos. Mas, com uma taxa neutra de 4% e se o BNDES for subsidiar empréstimos com ajuda do governo, isso é preocupante, porque o Banco ainda tem que devolver cerca de R$ 60 bilhões de aportes da União até o próximo ano”, comentou o economista e ex-diretor do BC e do BNDES, Carlos Thadeu de Freitas Gomes.

 

Pelas estimativas do ex-diretor, mesmo com a manutenção da Selic no atual patamar, a inflação deste ano não deve arrefecer e poderá encerrar o ano entre 6,3% e 6,5%, acima das projeções atuais do mercado e do teto da meta. “Depois que o governo der o primeiro passo na área fiscal, o Banco Central vai ter que mudar o comunicado e dar um sinal de que vai perseguir a meta por um prazo mais longo, porque se ele subir a Selic para atingir esse objetivo, ele vai prejudicar a economia. O BC precisa reconhecer que o Brasil não é um país desenvolvido”, orientou Gomes.

 

O especialista em contas públicas e economista-chefe da Warren Rena, reconheceu que a ata do Copom mostra que é preciso muito mais do que um novo arcabouço fiscal para uma mudança da política monetária. Pelas estimativas dele, considerando os juros reais (descontada a inflação), a 7% e uma taxa de crescimento do PIB de 1%, o governo precisará de um superavit primário de 4%do PIB para conseguir estabilizar a dívida pública em 73%. Salto ressaltou que seria preciso um plano fiscal coeso, para melhorar esse cenário, estabilizando a trajetória da dívida pública de forma gradual. “Minha aposta, neste momento, e já venho dizendo isso há um bom tempo, é de que virá um bom arcabouço fiscal, capaz de ancorar as expectativas e colaborar para a redução dos juros”, disse. 

 

Na avaliação de Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, a ata foi “perfeita”, pois reforça “a ideia de um Copom firme naquilo que ele enxerga como as melhores práticas da condução da política monetária e isso não vai mudar por conta de uma pressão política”. “Um ambiente de juros altos, dificulta, obviamente, o crescimento, mas ele é necessário para que a inflação fique no seu devido lugar. Sabemos que a inflação é muito pior para baixa renda do que para alta renda”, afirmou.