Não vi e adorei

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Esse eu não vi e adorei. Claro, estou falando do show de Paul McCartney para a plateia de agraciados pelos deuses no Clube do Choro. Não quero me jactar, ou melhor, não quero me jactar muito, mas a verdade é que tive o privilégio de assistir a shows memoráveis no Clube do Choro de Hermeto Paschoal, João Donato, Armandinho Macedo, Bide da Flauta, Altamiro Carrilho, Paulinho da Viola, Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Hamilton de Holanda, entre outros.

Por vezes, nos momentos epifânicos, me batia a certeza fulminante da primazia de estar ali: aquele seria um grande show, não apenas em Brasília, mas em qualquer palco do mundo. E, neste sentido, o Clube do Choro é um lugar que se tornou sagrado pela presença de músicos tão talentosos, tão iluminados.

E, depois, pensei melhor e constatei que a minha avaliação não era tão absurda quanto poderia parecer em uma primeira mirada. Ora, de fato, Hermeto Paschoal, João Donato e Hamilton de Holanda já tocaram nos grandes templos do jazz. Pois, agora, o Clube do Choro recebeu uma sagração internacional com o show de Paul McCartney para uma pequena plateia, que transformou o espaço em um pub londrino, em um Cavern Club, onde os Beatles iniciaram a carreira.

Com 81 anos, Paul se movia, freneticamente, de um lado para o outro do palco, alternando guitarra, contrabaixo e piano, com uma energia de garoto do rock ‘n’rool. Existem momentos da história que parecem ser regidos por uma conjuração dos astros ou dos deuses. E aquela virada da década de 1960, de revoluções por minutos, foi um desses instantes extraordinários. As canções dos Beatles, modernas e eternas, embalaram e atiçaram o abalo sísmico nos valores, nos costumes e na política. Elas continuam a tocar nos corações de gerações muito diferentes.

O nosso repórter vascaíno Pedro Ibarra chegou à redação em uma mistura de êxtase, atordoamento e sobrexcitação. A todo momento, pessoas de várias gerações chegavam à sua mesa para saber como havia sido o show. Fiquei tão preocupado com o horário de fechamento que proibi o assédio, mas prometi que, após a entrega da matéria, Ibarra concederia uma entrevista coletiva para contar como foi o show.

É muito bonita a história que Reco do Bandolim contou sobre como e porque Paul quis tocar no Clube do Choro. Paul e John Lennon estudaram em uma escola de música em Liverpool. Muito tempo depois, quando ele ficou famoso, descobriu que a escola falira. Resolveu recuperar a instituição e, hoje, ela funciona plenamente, com mais de 4 mil alunos.

Paul não é uma celebridade vazia como são os nossos astros do futebol ou os cantores breganejos. Pertence a uma geração que cultivou os valores da justiça social, da insubmissão, da paz e da harmonia. Ele promoveu o encontro entre dois gêneros que, aparentemente, são incompatíveis: o rock e o choro. Só a arte é capaz de realizar esse pequeno milagre.

As circunstâncias ampliaram os limites do Clube do Choro. Ele é a casa do chorinho, mas também do samba, da rumba e do rock. Com o show de Paul McCartney o Clube do Choro recebeu a sua sacralização internacional. A história do Clube do Choro é uma história de luta e de resistência. Ele precisa de financiamento para continuar o trabalho de cultura e educação. É uma instituição que confere dignidade a Brasília.

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