A mestria de Dulcina

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

No momento em que o legado de Dulcina de Moraes está ameaçado de liquidação judicial, é preciso evocar quem era essa mulher extraordinária e que visão tinha do teatro e de Brasília para o Brasil. Certa vez, ela foi entrevistada por uma emissora de tevê no cenário espacial da Esplanada dos Ministérios e a repórter perguntou porque ela abandonou o ápice da carreira artística e empresarial no Rio de Janeiro e veio para Brasília e ela respondeu: “Ah, porque Brasília é maravilhosa. Além disso, o mais importante é que ela é o centro irradiador da nação. Olha esse horizonte, que beleza, eu sou muito sensível à beleza.”

Em 1980, quando inaugurou o Teatro Dulcina, ela gravou uma mensagem para marcar aquele momento histórico para Brasília e para o Brasil: “O teatro é o meu universo, foi toda a minha vida e a dos meus pais. E, agora em 1980, eu vou ter, creio, a maior emoção de minha vida. Abrir as portas da Faculdade de Artes e do Teatro da FBT aos jovens da minha terra para que eles continuem através da palavra a voz da verdade do palco. Esse é o palco de onde sairá daqui, da capital do Brasil, centro irradiador da nação, essa voz do mais antigo e do mais duradouro meio de comunicação, o teatro.”

E, de fato, a utopia de Dulcina se realizou, mesmo sem o apoio que merecia, aos trancos e barrancos. Ele era uma presença inspiradora, sempre desfilando com os óculos enormes, a boca de batom vermelho, o riso aberto, o senso de humor e a exigência. Todos que se aproximaram dela foram tocados por sua paixão pelo teatro.

A história de Fernando e Adriano, Os Irmãos Guimarães, um dos mais inventivos grupos de criação cênica da cidade, se entrelaça com a passagem de Dulcina de Moraes pela cidade. Fernando era estudante de engenharia da UnB em 1983, aos 18 anos. Em um lance de aparente acaso, deparou-se com Dulcina no elevador da faculdade ao encontrar uma amiga no local. Dulcina olhou para Fernando e perguntou, de maneira fulminante, se ele era ator. Ao responder que não, Dulcina arregalou os olhos de espanto como se ele fosse um alienígena e o convidou, imediatamente, a fazer um teste para uma peça e ingressar na faculdade naquele momento.

Fernando fez teste de figurante para a peça Julio Cezar, de Shakespeare, e o curso de engenharia foi para o espaço. Estudou na Faculdade, arrastou o irmão Adriano e, passou, praticamente, a morar no teatro.

A atriz Françoise Forton foi a primeira estrela brasilienses a levar o nome da cidade para o Brasil. Forton conheceu Dulcina de Moraes em cena e a achou fantástica. Mas ela aproveitou absorveu ainda mais os conhecimentos quando se tornou aluna da primeira turma da Faculdade Dulcina de Moraes.

Foi um aprendizado essencial em sua formação. Dulcina era um teatro completo. Sempre lecionou com tanta ingenuidade, com tanta verdade. Possivel somente àqueles que amam, verdadeiramente, o teatro, lembrava Forton.

Considerava a aula de Duclina extraordinária porque ela não recorria aos recursos convencionais dos livros ou da metodologia. Carregava o teatro no corpo e na alma. Ensinou como entrar, como estar dentro do palco e como sair. E Fortou levou esses ensinamentos para o resto da vida: “Eu me lembro de uma aula, quando ela disse: ‘Hoje eu vou apresentar um texto’. Nem me lembro qual era a obra, mas tinha, sei lá, 25 ou 30 personagens. Ela fez todos os personagens! Sozinha. Dulcina foi uma grande escola para mim”, contou Forton em entrevista ao Correio. É por essas razões e outras que o legado de Dulcina de Moraes precisa ser preservado.

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