“Em outras palavras: tratar a questão do funcionalismo sem entendê-la como questão de Estado, e pior, sem conexão alguma com um projeto de desenvolvimento econômico, social, ambiental etc. é a melhor maneira para não resolver os problemas da administração pública”
Roberto Xavier e J. Celso Cardoso Jr
A ideia de que uma Reforma Administrativa possa reduzir significativamente as despesas governamentais, sobretudo o gasto com pessoal, é a nova-velha falácia de Paulo Guedes, Gustavo Maia e cia. Mais uma vez, setores retrógrados da nova (sic!) política não consideram os dados nem os fatos, mas tentam impor uma reforma baseada apenas em seus valores ideológicos, sem diálogo e sem fundamentação técnica nem histórica.
É fato que no período mais recente houve recomposição de pessoal e de salários na Administração Pública, mas também é fato que esses movimentos foram incorporados na estrutura de gastos do Estado brasileiro, uma vez que acompanhados de aumentos na arrecadação de impostos e no PIB no mesmo período. A relação gastos de pessoal sobre o PIB, sobre a arrecadação total e sobre a massa salarial do setor privado foram mantidas estáveis desde 2003.
Além de não alterar essas proporcionalidades, o número de servidores civis ativos hoje na União é praticamente o mesmo de 30 anos atrás, mas a qualificação e a composição desses profissionais passaram por importantes mudanças. Hoje os servidores públicos são, na média, mais escolarizados e melhor formados, estão alocados em atividades finalísticas (sobretudo naquelas de atendimento direto à população, como saúde, educação, assistência social e segurança pública) e há mais mulheres e mais negros que há 30 anos.
Também é importante lembrar que o Estado brasileiro, com um número praticamente igual de servidores, oferece hoje muito mais políticas públicas e entrega efetiva de bens e serviços às empresas e à população que há 30 anos. Ou seja, usando conceitos econômicos de eficiência e produtividade – que Guedes, Maia e cia parecem ignorar em suas propostas – o setor público brasileiro é hoje mais produtivo e eficiente que há 30 anos, resultado direto e positivo, pasmem, das diretrizes e concretizações da CF-1988!
Se Guedes, Maia e cia estivessem de fato interessados em uma reforma que buscasse melhorar o desempenho institucional da máquina pública, deveriam olhar para onde de fato estão os problemas da gestão e do funcionalismo no Estado brasileiro. Os problemas existem e não são poucos, mas muito mais que a quantidade de pessoal e o valor de seus salários, eles estão localizados ao longo do ciclo laboral no serviço público, que perpassa os processos de seleção e alocação dos recursos humanos, capacitação e progressão na carreira, política de remuneração, representação política e preparação para aposentadoria, tema esse sequer tratado na reforma da Previdência.
Ou seja, os problemas de fato existentes são maiores e mais complexos que esse discurso simplista e falacioso de Guedes, Maia e cia sobre inchaço da máquina e explosão dos gastos com pessoal. Porém, não serão enfrentados, primeiro porque esses atores não têm nem capacidade técnica nem sensibilidade política para o tema; segundo porque a sanha persecutória contra servidores é a senha certa para mais uma reforma fadada ao fracasso, tais como já se mostram as reformas trabalhista e previdenciária recém implementadas.
Em outras palavras: tratar a questão do funcionalismo sem entendê-la como questão de Estado, e pior, sem conexão alguma com um projeto de desenvolvimento econômico, social, ambiental etc. é a melhor maneira para não resolver os problemas da administração pública.
Hoje em dia, por meio das entidades representativas dos servidores, o Brasil possui o mais completo estoque potencial de conhecimentos sobre as estruturas e as formas de funcionamento da administração pública federal brasileira. Seja por meio de estudos técnicos que elas produzem, seja simplesmente pelo conhecimento tácito que os servidores possuem sobre o cotidiano de virtudes e problemas do Estado, o fato é que são os próprios servidores públicos, os que mais têm condições teóricas e práticas de produzir a melhor explicação situacional possível e as mais adequadas e aderentes proposições ou soluções para os problemas de desenho organizacional e de desempenho institucional do governo federal.
Roberto Xavier[1] e J. Celso Cardoso Jr[2]
[1] Cientista Político, é Mestre em Gestão de Políticas Públicas (USP) e Especialista em Planejamento Estratégico. Atua como Pesquisador Pleno na área de Saúde Pública junto a Núcleos de Pesquisa de Universidades Públicas e Consultorias de Gestão.
[2] Doutor em Economia pelo IE-Unicamp, desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA e desde 2019 é Presidente da Afipea-Sindical, condição na qual escreve este artigo.