Com a aproximação do Dia Nacional da Adoção, comemorado anualmente em 25 de maio, diversas associações e entidades promoveram iniciativas para sensibilizar o público e ajudar a dar um lar para crianças e adolescentes que precisam — caso da Vara da Infância do DF. No Mato Grosso, porém, uma ação nesse sentido foi longe demais, causando polêmica e indignação.
A Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA), em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da seccional Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT) organizou, na última terça-feira (21), um desfile com meninos e meninas de 4 a 17 anos que estão aptas para adoção.
O evento Adoção na passarela foi no Pantanal Shopping, em Cuiabá. Fotos caíram nas redes sociais e acabaram viralizando e despertando muitas críticas. Cerca de 200 pessoas teriam formado a plateia do desfile. A ação arrecadou roupas e calçados de marcas do shopping que foram exibidos pelas crianças e adolescentes participantes.
Violação aos direitos humanos
A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) repudiou o ato, por representar grave violação aos direitos humanos ao tratar crianças como um objeto de apreciação”. Confira a nota na íntegra:
“A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), vem, por meio desta nota, manifestar sua indignação e repulsa ao evento organizado pela Associação Matogrossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) e pela Comissão de Infância e Juventude da OAB do Mato Grosso, ocasião na qual crianças e jovens de 4 a 17 anos foram expostas em uma passarela de um shopping da capital do Mato Grosso por estarem “aptas” à adoção.
Para nós, defensores e defensoras federais, o ato representa grave violação aos direitos humanos ao tratar as crianças como um objeto de apreciação, podendo ocasionar graves efeitos psicológicos devido à exposição. Sabemos que, lamentavelmente, o processo de adoção no Brasil é bastante moroso e precisa ser aprimorado, mas é inaceitável qualquer ação que trate pessoas, de qualquer idade, raça ou religião, como uma mercadoria. Por fim, a Anadef repudia o ato e afirma seu papel na garantia dos direitos humanos e na defesa, em todos os graus, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos prejudicados”.
Esclarecimento
A OAB-MT se manifestou por meio de nota sobre o caso. Confira:
“Diante da repercussão do evento “Adoção na Passarela”, realizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) e pela Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), as instituições vêm a público esclarecer que:
– Nunca foi o objetivo do evento – parte integrante de uma série de outros que compõem a “Semana da Adoção” – apresentar as crianças e adolescentes a famílias para a concretização da adoção. A ideia da ação visa promover a convivência social e mostrar a diversidade da construção familiar por meio da adoção com a participação das famílias adotivas;
– Nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse. A ação deu a eles a oportunidade de, em um mundo que os trata como se invisíveis fossem, poderem integrar uma convivência social, diretriz do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Esse evento, inclusive, ocorre pela segunda vez;
– Crianças e adolescentes que desfilaram o fizeram na companhia de seus “padrinhos” ou com seus pais adotivos. A realização do evento ocorreu sob absoluta autorização judicial conferida pelas varas da Infância e Juventude de Cuiabá e Várzea Grande, bem como o apoio do Poder Judiciário.
– A OAB-MT e a Ampara repudiam qualquer tipo de distorção do evento associando-o a períodos sombrios de nossa história e reitera que em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes;
– Vale destacar que o desfile foi apenas uma das ações da “Semana da Adoção”. Ao longo dos dias do evento foram realizados também palestras, seminários e recreação para as crianças;
– A falta de interessados na chamada “adoção tardia” faz com que seja urgente a adoção de medidas como a Semana da Adoção, que tornam público esse problema social. Conforme o Relatório de Dados Estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 8,7 mil crianças e adolescentes aguardam por uma família.
– Na edição anterior do evento, realizado em 2016, dois adolescentes, cujo perfil está fora dos parâmetros de preferência da fila de interessados, foram adotados graças ao trabalho realizado, que deu visibilidade à questão. A iniciativa tem sido tão exitosa na forma como aborda o problema que outros Estados realizaram eventos semelhantes, como “Esperando por você” (ES), “Adote um Pequeno Torcedor” (PE) e “Adote um Pequeno Campeão” (MG);
– Por fim, a Ampara e a OAB-MT, realizadoras do evento, agradecem a disposição de todos os demais órgãos e entidades apoiadores, dentre eles o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o Pantanal Shopping, por entenderem a grandeza de sua finalidade e abraçarem, de forma voluntária, a causa da adoção no Estado. Também conclamam a sociedade em geral para uma discussão séria e efetiva sobre o tema para que mais estratégias possam ser adotadas em prol do direito de possibilitar o acolhimento familiar a essas crianças e esses adolescentes.”