Li em algum lugar que um deputado está querendo criar um museu do rock em Brasília. Um santuário para celebrar um bando de garotos que, para espantar o tédio, pegaram em guitarras e baquetas e fizeram algum barulho. Fico pensando: o que será que aquela molecada pensaria se soubesse que ia virar peça de museu?
Faz algum tempo que não vejo o PC Cascão, hoje advogado de sucesso, que já quebrou baquetas surrando o couro; não sei o que a maioria daqueles então adolescentes faz da vida. Talvez hoje, com cabelos brancos ou escalpelados, achem interessante sentar numa prateleira.
O que vão mostrar? Guitarras velhas, rascunhos com garranchos, fotos e filmes antigos, discos arranhados, camisetas rasgadas… E isso nos leva aonde?
Sempre vão argumentar que há Graceland, a mítica casa de Elvis Presley, que conserva intacto o estilo do grande cantor, mas já em sua fase de opulência financeira, com quilinhos a mais e cheio de lacaios. É o segundo lugar mais visitado nos Estados Unidos, só perde para a Casa Branca, em Washington. Mas aí se trata de culto, outro papo.
Em Cleveland, também nos Estados Unidos, há o Museu do Rock and Roll e Corredor da Fama, em Los Angeles tem o museu do punk rock e por aí vamos, incluindo exposições de memorabilia em bares como Hard Rock Cafe. Mas aí é negócio.
Life fast, die young (viva rápido, morra jovem) dizia a juventude que tinha herdado o mundo pós-bomba atômica, numa frase surrupiada sem cerimônias pelo rock. Parece que não é bem assim; roqueiros buscam a imortalidade tanto quanto literatos de pincenês e polainas.
O fato de Brasília ter roqueiros nunca credenciou a cidade como capital de nada, a não ser para uma manchete de jornal ou para criar um roteiro com locais que eram frequentados por jovens. Mas até Jack o Estripador tem um roteiro como este em Londres. Bacana, aliás.
Brasília não tinha mais rock que São Paulo, Porto Alegre ou Recife, capitais que tinham um circuito tão vibrante – ou até mais – que o do DF. Mas criou-se essa mística e parece que tem gente tentando viver dela. Não há desonestidade nisso.
Eu cheguei a reunir uma coleção com centenas de fitas cassete de gravações – algumas inaudíveis – que foram usadas no programa Toca Brasília, que a rádio FM Nacional levava ao ar todos os sábados à tarde. Eram shows – inclusive a histórica apresentação da Legião Urbana na ABO e outra da Plebe Rude no hoje demolido coreto do Gilberto Salomão –, além de registros feitos em garagens e alguns em estúdio.
Os cassetes ficaram na emissora; não existem mais. Não sei se foi a moça da limpeza que levou, se fungos se infiltraram na fita magnética ou se algum desavisado gravou um pagode por cima. Não deixam saudade; a maioria era muito ruim, impróprias até para um programa que, avisávamos, tinha o objetivo de registrar um momento importante para a história da cidade.
Não quero ouví-las de novo. Também não quero ver as baquetas usadas pelo Cascão quando tocava no Rolla Pedra. Passou.
Publicado no Correio Braziliense em 18 de agosto de 2023