O pintor irlandês Francis Bacon dizia que sua mente só funcionava bem para criar quando ele estava de ressaca e, por isso, bebia. O poeta alemão Charles Bukowski escrevia de garrafa na mão: “É este o problema com a bebida, pensei, enquanto me servia dum copo. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que aconteça qualquer coisa.”
Sinclair Lewis, Eugene O’Neill, Ernest Hemingway, John Steinbeck e William Faulkner tinham algo em comum além de terem ganho o prêmio Nobel de literatura: eram alcoólicos. Vinicius de Moraes dizia que o uísque é o cachorro engarrafado – o melhor amigo do homem.
Talvez com tudo isso na cabeça, o rapaz frequenta o bar sempre munido de uma caneta esferográfica, ocupando um banquinho no balcão. Não vai às mesas. Diligente, foi o único que reclamou quando o proprietário trocou a marca do guardanapo por um modelo brilhante, fino e escorregadio.
Há indicativos de que a bebida alcoólica estimula as fantasias do cérebro. Estudo da Universidade de Illinois, Chicago, mostrou que o consumo moderado reduz inibições e abre a janelinha criativa da cachola. Mas o nosso poeta vai um pouco além da conta, talvez se lembrando dos versos do francês Charles Bauldelaire
“É necessário estar sempre bêbado/ Tudo se reduz a isso; eis o único problema/ para não sentirdes o fardo horrível do Tempo que vos/ abate e voz faz pender para a terra, é preciso que vos embriagues/ sem cessar”, escreveu, no poema Embriagai-vos. Mas o poeta fez uma ressalva: ”De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor”.
Nosso companheiro prefere um conhaque de gengibre. Só começa a rabiscar os papéis depois da segundo dose, sempre acompanhadas de cerveja, o que certamente controla a temperatura e o grau etílico. Daí em diante escreve. Para de tempos em tempos, firma o olhar na parede gasta e cheia de anúncios como se procurasse palavra. E escreve.
O álcool é tema de poesia desde priscas eras. Na Ilíada, de Homero, Ulisses embriaga Polifemo antes de sua vitória contra o gigante – e daí vem a expressão porre homérico. O beberão Falstaf, é personagem recorrente de Sheakespeare e Quincas Berro D’água, de Machado, larga a vida certinha para virar o cachaceiro-mor da Bahia.
A música também rende suas homenagens aos espíritos engarrafados. Raul Seixas se indignou com o etanol, em Movido a Álcool: “Derramar cachaça em automóvel/ É a coisa mais sem graça que eu já ouvi falar”. E filosofou: “Veja, um poeta inspirado em Coca-Cola/ Que poesia mais estranha ele iria expressar?”.
Maysa foi mais fundo em Demais: “Todos acham que eu falo demais/ E que eu ando bebendo demais/ Que essa vida agitada não serve pra nada/ Andar por aí, bar em bar, bar em bar”.
Depois da sessão poética, nosso companheiro amassa os papéis e soca no bolso de um invariável casado verde. Vez por outra se digna a nos mostrar um ou dois versos. Hemingway disse que todos os bons escritores bebem; nós, no bar, sabemos que os maus escritores também bebem.
Publicado no Correio Braziliense em 2 de junho de 2023