É difícil precisar quem foi o primeiro inimigo de Brasília, mas todos tinham em comum uma visão tacanha de mundo. Continua assim. Inventavam todo tipo de motivo para dizer que uma capital no centro do país seria inviável.
Um intelectual, Gustavo Corção, chegou a vaticinar que o lago não iria encher por conta do terreno arenoso que ele nunca conheceu. Quando a água atingiu a cota 1000, o presidente JK não perdeu a oportunidade e enviou um telegrama ao detrator: “Encheu, viu?”.
Mesmo depois da mudança da capital Brasília continuou a receber ataques, inclusive de grandes conglomerados de imprensa, que sonhavam com o retorno da Guanabara – a palavra, tupi-guarani, significa braço de mar, mas hoje é só nome de supermercado regional.
Uma reportagem publicada em 2019 pelo jornal O Estado de S. Paulo e assinada por um jornalista de pouca expressão decretou o pejorativo epiteto “ilha da fantasia” para a capital. Só falou com poderosos, não entrevistou ninguém da sociedade que a nova capital formara e ainda plagiou o título de um seriado de TV da época e que, curiosamente, ganha nova versão agora, quando a cidade descobre que seus inimigos ainda estão por aí.
O novo inimigo ocupa um cargo importante no governo federal; não deveria, pois, falar bobagem. Nordestino, parece desconhecer que 53% dos imigrantes que aqui vivem veem dos nove estados da região – só nos últimos três anos 60 mil nordestinos chegaram ao DF. A maioria dessa população (21,7%) veio da Bahia, o estado da referida autoridade, e talvez esteja aí o busílis.
Governador da Bahia nos últimos oito anos, o ministro Rui Costa viu parte da população de seu estado procurar um lugar melhor, mais próspero e com mais oportunidades, para viver. Deve ser frustrante para qualquer governante ver sua população fugir por causa de uma miséria que ele não consegue impedir.
Talvez seja esse o motivo do ministro achar que Brasília é o que ele vê da janela de seu amplo e confortável gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto e os restaurantes de luxo que frequenta prodigamente, certamente atendido por conterrâneos seus.
O ministro plagiou o plágio do jornal e chamou Brasília de “ilha da fantasia”. É grave. Não pela declaração em si, mas pela demonstração pública de ignorância. É uma visão tacanha que não combina com os passos que o Brasil precisa dar, é de uma estreiteza de raciocínio – se é que há algum – de assustar, até porque a história recente mostra a importância que Brasília teve para a virada do país nas últimas seis décadas.
Brasília já teve inimigos bem mais inteligentes. Lacerda enxergava “demônios da selva”, “nojo da maresia” e ainda escreveu que compraria uma fábrica de placas de bronze – tantas eram as inaugurações. O paraense Billy Blanco fez um samba bem-humorado dizendo que não iria para Brasília, cantando “não sou índio nem nada” (e era, pelo menos em parte).
O novo inimigo é legitimo representante da chamada “Bahia branca”, a elite que domina o estado há 500 anos e mantém um conveniente atraso social entre a população. Não saiu dos tempos das caravelas, quando a capital, ora vejam, era Salvador.
Publicado no Correio Braziliense em 11 de junho de 2023