A mangueira foi campeã do carnaval carioca buscando heróis que não estão nos livros, reduzindo os que estão; mas essa história de recontar a História não cabe num samba. Ao contrário, a revisão pode trazer surpresas – para o bem e para o mal.
Essas confusões começam ainda na época do descobrimento. Nas primeiras narrativas, Cabral era tratado como um sortudo, que para escapar de uma violenta tormenta, teria desviado seus navios e deu na costa brasileira.
Hoje sabemos que os portugueses já dispunham de informações que davam como certa a presença de terras desconhecidas por aqui. E os nativos foram chamados de índios não porque Cabral achava que estava na Índia, terra das especiarias, mas porque o continente foi chamado de Índias Ocidentais.
O caso de Tiradentes é bem diferente. Ao contrário do que nos contaram, o alferes era um personagem menor na Inconfidência Mineira, movimento elitista, e sua luta tinha muito menos a ver com a liberdade – foi como mártir da Independência que ele foi impresso na nota de cinco mil cruzeiros – do que com os pesados impostos cobrados pela coroa. Nem tão heroicamente, foi preso em fuga, escondido atrás das cortinas de uma casa.
Outro herói que teve problemas com revisão foi Aleijadinho. Antônio Francisco Lisboa realmente existiu, mas quem passou para a História foi um personagem inventado por Rodrigo José Ferreira Bretas numa monografia. No afã de tornar o personagem ainda mais interessante, inspirou-se no quasímodo de O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo.
Escreveu até que os problemas físicos do artista começaram quando ele tomou uma substância para ampliar seus dotes artísticos. Para piorar, sabemos hoje que nem todas as 360 obras atribuídas a ele saíram de sua oficina.
Durante séculos o Brasil viu os bandeirantes com olhos desconfiados. Responsáveis pelas incursões ao interior que desenharam nosso país, foram acusados de exterminar índios. Não é verdade. Muitos indígenas chegaram a se incorporar às Bandeiras, irritando padres jesuítas que só pensavam na catequização, e inventaram histórias para difamar os aventureiros em busca de riquezas.
Foi também uma revisão histórica que mostrou que os escravos vindos da África eram capturados pelos inimigos locais e vendidos. E aqui mesmo, fugidos ou alforriados, não era incomum um recém liberto ter seus próprios escravos. Até Zumbi, símbolo da luta pela liberdade no quilombo dos Palmares, tinha escravos.
Outras verdades apareceram. Se durante muito tempo as bananas foram uma espécie de símbolo nacional, é porque não nos contaram que é fruta alienígena, do sudeste asiático. Assim como o coco, manga e jaca. Caminha acertou quando escreveu que, plantando, tudo dá.
A história contava que a feijoada nasceu na senzala, porque as carnes nobres do porco eram servidas na casa grande. Na verdade, a feijoada segue a tradição europeia dos cozidos, acrescentada do feijão; é, portanto, uma invenção portuguesa com certeza, assim como a dobradinha, feita com vísceras de bovinos ou ovinos.
Melhor parar. Se continuar a revisão é capaz de não sobrar nada. Vamos ficar só com os “heróis” do BBB.
Publicado no Correio Braziliense, em 17 de março de 2019