Enquanto o desenvolvimento da tecnologia estava limitado aos seres humanos, por mais que pareça coisa de filme de matinê, estávamos confortáveis. É bom saber que com um telefone a gente pode resolver um mundo de problemas, com uma mexida de olho uma pessoa paralisada consegue se comunicar, com um estalo de dedos é possível ligar o aparelho de som e com um simples comando o carro estaciona sozinho.
É gratificante ver que as coisas estão a nosso serviço e comando, como acontece há milênios, desde que o homem amarrou uma pedra num pedaço de pau e fez a primeira ferramenta. É preciso evoluir, mas sem perder o posto mais alto na hierarquia do planeta.
Esta é, pelo menos, a lógica da nossa mesa no bar, onde há vários pescadores – que hoje contam com o conforto de um molinete, de uma vara de fibra de carbono e linhas especiais –, mas cultuam uma das poucas ações primitivas que sobreviveram à civilização (outra é a fofoca, cada vez mais forte).
Mas o negócio se complicou quando o Bana começou a explicar à turma o que é a internet das coisas – ou, como ele diz, aiô-tí, que é a onomatopeia da abreviação em inglês. A meia dúzia de leitores que me acompanha já conhece o Bana que, aposentado, se dedica a seguir avanços tecnológicos e é nossa interface com o futuro – tarefa difícil, já que alguns ali ainda acham a caneta Bic um espanto.
Pois ficamos sabendo que a tal aiô-tí é a comunicação entre os objetos – a geladeira vai encomendar o que falta, a casa vai mandar a enceradeira tirar o pó, o carro vai sozinho ao lava à jato; ou seja, as coisas vão conversar entre si e vai sobrar muito pouco para um ser humano fazer nesse mundo.
Para ele, é um novo Éden, um mundo de delícias e prazeres; mas a nós parece o oitavo círculo do inferno de Dante, onde vão parar os corruptos, falsários e simoníacos e que, segundo o Faixa, outro amigo, é o lugar reservado aos políticos brasileiros.
Todos nós fomos criados com a interpretação literária e cinematográfica da ciência. Se avanços científicos não surpreendem mais, já que previsões já são realidade, ainda esperamos pelo terror. Tantas naves espaciais trouxeram monstros que a gente sempre espera um passageiro extra quando desce um astronauta.
As previsões nem são tão distantes assim. Daqui a dois anos, por exemplo, deveremos entrar na era da ubiquidade, quando o homem não vai precisar mais tocar em nada para acionar um dispositivo. Basta falar ou olhar. Robôs que hoje já ajudam a cozinhar, limpar a casa ou cuidar do gatinho vão assumir muitas outras tarefas.
Cientistas alertam que essa hiperconectividade pode minar a autoconfiança dos humanos – todos já somos mais burros que as máquinas, que ganham no xadrez, no dominó e provavelmente na porrinha – e há o risco do ser humano perder o controle do mundo.
Mas como diz o Faixa, não surpreende: Todo homem casado sabe bem como é isso.
Publicado no Correio Braziliense de 4 de fevereiro de 2018