Com tão pouco tempo de vida, Brasília vem acumulando um bocado de estórias na sua História. Alias, nada é mais apropriado do que um termo que não existe para definir um caso que não pode ser comprovado.
Estória é um neologismo criado por João Ribeiro, imortal sergipano da Academia Brasileira de Letras, em 1919, para designar os contos e casos populares. Nunca pegou. No português de hoje seriam fake news.
Um desses boatos dava conta de uma alma penada que circulava pelos corredores do Teatro Nacional, assombrando músicos da Orquestra Sinfônica que ouviam instrumentos tocando sozinhos. Também houve relatos de elevadores funcionando de madrugada e até de uma bailarina que dançava iluminada pela própria auréola.
Nunca mais se ouviu falar no tal fantasma, que provavelmente se mudou, porque há pelo menos 1.520 dias, o teatro está fechado para uma reforma que nunca começa. Nem ectoplasma fica tanto tempo abandonado.
Também se falou muito de assombrações nos corredores da pirâmide da CEB, na Asa Norte. Para muitos, a construção corroborava a tese de que JK era, na verdade, uma reencarnação do faraó Akhenaton, que viveu há 3.600 anos. A pirâmide foi demolida e ninguém mais toca nessa história de Egito antigo.
É também conhecida a estória (vamos ver se agora pega) das reservas de cristal que estariam enterradas sob nós e que fariam de Brasília um dos sete chacras do mundo. Segundo a filosofia da ioga, chacras são pontos energéticos que dão equilíbrio aos seres vivos; mas aqui esbarramos na polêmica – a maioria dos místicos diz que o único chacra da America do Sul fica no lago Titicaca, entre Peru e Bolívia.
Brasília também ficou conhecida como a capital do desquite – só pelo termo gasto e em desuso vê-se que faz tempo –, ainda que o número de separações fosse compatível com o de outras cidades.
E muito se ouviu falar no meteorito de duas toneladas de ferro que caiu em Luziânia, quase cem anos atrás, provocando pânico na então pacata cidade. Mas essa história é verdade, graças à lerdeza de um sujeito conhecido como Demente, que comprou a peça de Raimundo Baiano por um conto de réis (uma grana preta), mas não teve tempo de carregar a rocha. Baiano sumiu no mundo e o meteorito está exposto até hoje no Museu Nacional do Rio de Janeiro .
Mas dias desses ouvi uma nova história que tem tudo para ser falsa. Que as caixas d’água dos prédios públicos de Brasília, principalmente escolas, foram projetadas sem acesso pelo lado de fora como forma de prevenir os suicídios. E para completar: o índice de suicídio na época da construção era altíssimo, disse o autor da tese.
Que Brasília enfrentou alguns surtos de suicídios é fato. Mas são ocorrências bem mais recentes, em pontos conhecidos. Fui consultar alguns pioneiros para saber se o mal informado era eu, mas ninguém confirmou a história. Um deles se lembra bem do poeirão e da dureza da época e resumiu: “Ninguém tinha tempo nem de pensar em morrer”.
Publicado no Correio Braziliense de 29 de abril de 2018