Os cambuís parecem ter se decidido a mostrar seu valor nesta temporada. Subjugadas pela força que os ipês exercem sobre as pessoas, essas árvores frondosas e verdes mostram sua exuberância amarela há mais de mês, ao contrário das adversárias que floram e deixam as pétalas no chão em poucos dias.
É fácil distinguir os cambuís das outras árvores estrangeiras plantadas pelos espaços da cidade, embora muita gente insista em chama-las de sibipiruna, outra espécie, bem diferente, menos vistosa, com galhos mais espaçados, mas que também colore a paisagem de amarelo (os cambuís também podem se apresentar de vermelho).
Mas as sibipirunas, que como o cambuí são naturais da mata atlântica, não se deram tão bem no cerrado do Planalto Central; poucos exemplares resistiram às intempéries. Os cambuís, ao contrário, encontraram uma nova e confortável casa por aqui, não parecem sentir a menor falta de morar perto da praia.
Para alegria da passarinhada que, a partir de fevereiro, começa a frequentar as copas dessas árvores para saborear a frutinha que leva o mesmo nome e vem no mesmo cacho onde hoje estão as flores. Coloridos e arredondados, diz o povo do interior que o chá do cambuí – também chamado de jabuticaba do mato – alivia diarreia, cólicas, hemorroida e aftas. Maceradas, ajudam a cicatrizar feridas.
A flor do cambuí faz bem para a vista. Mesmo com o céu constantemente cinzento, ela colore o dia; traz – literalmente – alivio no meio da tempestade, dos dias fechados, se aproveitando de todo o verde ao redor, não apenas nas copas, mas também nos gramados.
E graças às raízes muito fortes, se garante mesmo com ventos fortes como os que derrubaram tantas árvores valentes – mas menos firmes – nas últimas semanas, ainda que tenha o inconveniente de levantar calçadas e muros.
Os cambuís são ainda mais exuberantes quando em conjunto, como acontece na Vila Telebrasília, ao lado do campo de futebol, na praça lateral do Palácio do Buriti, no Setor Militar Urbano ou na altura da 509 norte, em plena W3. São pomares – hoje verdadeiros jardins aéreos – que disputam com mangueiras e amoreiras a preferência da passarada e até de humanos bons de mira e imunes a espinhos.
A ideia de testar espécies exóticas na paisagem do planalto foi do já falecido Ozanam Coelho, como um desafio à natureza e que acabou transformando Brasília – e agora as cidades ao redor – em verdadeiros parques. Ozanam foi muito festejado em vida, reconhecido como o maior jardineiro da capital, mas ainda espera por uma homenagem que o tempo não apague.
De alguma forma, cada árvore da cidade é um menir vegetal em homenagem a ele, por ter transformado a paisagem, entremeando o concreto com verde. Fosse hoje, ele provavelmente enfrentaria passeatas de militantes a condenar a plantação de plantas exóticas no cerrado e estaríamos condenados a apreciar apenas a beleza torta de pequizeiros, castanheiras de baru, cagaiteiras, palmeiras de gueroba e muricizeiros.
Se a sociedade do Distrito Federal foi criada a partir de gente que se deslocou para cá, o mesmo aconteceu com algumas das nossas árvores.
Publicado no Correio Braziliense em 12 de janeiro de 2020