O rapaz de penugem no rosto e suco de uva no copo começa a conversar sobre a vida. Tenta achar sentido nas coisas que estão em volta dele e até no que tem que fazer para se inserir nesse mistério. Não tem muito desses jovens por aí; eles preferem ir para a balada ou jogar videogame. E eu abri os ouvidos.
Não tinha nenhuma pergunta nova – provavelmente são as mesmas que Tales, um dos sete sábios da antiguidade e reconhecido como o primeiro amante do conhecimento (filósofo, na origem grega do termo), se fazia na movimentada cidade de Mileto, na Ásia Menor, que hoje estaria em território turco.
Tales ficou conhecido por procurar respostas que dispensassem divindades num tempo em que havia deuses para tudo, como forma de simplificar qualquer explicação. Seis séculos antes de Cristo, defendia que tudo veio da água, muito antes de haver ciência para provar que tudo no mundo tem sua porção líquida. Outro sábio de Mileto, Anaximenes defendia que o princípio de tudo era o ar.
Mas não era isso o que preocupava o jovem mancebo que se torturava em busca de respostas, já na fase do desespero que o levou a procurar o primeiro sujeito de cabelos brancos que encontrou – eu, na minha profunda ignorância.
Minhas frustrações juvenis eram outras. Por exemplo, quando a agulha do disco arranhado agarrava na música, enquanto dançava com o rosto coladinho, depois de muito batalhar para convencer a menina. Hoje não tem mais agulha, nem disco, nem música. E ninguém sabe o que é dançar de rosto colado.
Ou quando acabavam as fichas do orelhão, bem no meio daquela conversa que demorou tanto para acontecer e a menina estava a ponto de ceder. Pior, só quando não tinha dropes Dulcora na bombonière do cinema e a gente corria o risco de morrer sufocado com uma bala Soft.
Os questionamentos do rapazote eram bem diferentes; uma angústia que virá outras vezes na vida, mas que naquele corpo pareciam precoces, extemporâneas. A conversa só desandou quando ele disse que na noite anterior havia assistido o filme Quem Somos Nós?, uma mixórdia de conceitos, misturando pseudociência e misticismo, com base em depoimentos de maluquetes.
O documentário deveria estar na prateleira das ficções – e daquelas mais psicodélicas – porque parte de pressupostos absolutamente falsos para explicar o que estamos fazendo no planeta. É tão verdadeiro quanto aquelas narrativas sobre a Área 51, onde os norte-americanos guardariam restos de óvnis e de extraterrestres para não assustar o mundo.
Foi fácil desmontar os falsos conceitos da mecânica quântica como apresentada e que tem muito pouco efeito nas nossas vidas práticas, visto que trata do mundo subatômico. Isso sem falar no japonês sustentando que palavras de carinho podem formar cristais brilhantes na água; contra broncas, que criam padrões disformes ou incompletos.
Na saída recomendei que ele visse uns filmes de ficção de verdade (contrassenso?) – sugeri o assustador Funny Games (Violência Gratuita), porque o medo pode explicar muito mais sobre a vida do que essas bobagens metafísicas.
E quem explica?
Publicado no Correio Braziliense, em 18 de janeiro de 2019