A moça estava ali improvisada, quebrando um galho. Se tem algo que frequentador de botequim não gosta é de novidade; fica todo mundo cheio de mania, até o mais descolado parece desenvolver o tal transtorno obsessivo compulsivo (TOC) no último grau. Basta tirar a garrafa de Drink Dreher do lugar de sempre para chover reclamação; se as mesas estiverem fora de lugar então é motivo de levante.
Ainda assim era necessário. Por um problema qualquer, a mocinha que ajuda nas tarefas não pôde ir. E a outra veio decidida. Já era mais velha, certamente com suas idiossincrasias, mas claramente era uma caloura; nunca tinha estado na posição de servir alguém. Mesmo assim, se esforçava e atendia os pedidos.
Boa vontade tem limite. Atendente novo em boteco é complicado porque eles nunca sabem que os verdadeiros patrões estão sentados, bebendo uma coisinha, beliscando uns tremoços; e não o sujeito mal-humorado que fica no balcão com cara de bedel de ginásio, mascando e grunhindo.
Para começar, o choro. Atendente novo não chora. Não deixa nem a bebida vazar pelo dosador como manda a boa cortesia do boteco, quanto mais deixar o líquido da garrafa escorrer mais um pouquinho. Outra característica do novato é economizar guardanapo e palito – peça um palito e ele entrega um único, escasso e solitário palito, embrulhadinho no plástico.
Acontece que chegou um estrangeiro. Frequentadores contumazes de um estabelecimento se comportam como paisanos; aquilo ali é território conquistado, bandeira fincada no solo. Mas ninguém tem topete alaranjado e nem quer construir muro: não se exige sequer passaporte para permitir a entrada de noviços. São recebidos quase com bom humor.
O rapaz chegou mansamente e, antes mesmo de sentar-se, perguntou à noviça: “A madame tem cerveja quente?”. Impossível não ouvir, mas ficou difícil saber o que era mais estranho, se perguntar por cerveja quente ou chamar a atendente de madame. A moça não reagiu ao respeitoso substantivo, mas não gostou do pedido.
– O que é isso, meu senhor, o bar é conhecido por ter a cerveja mais gelada da região. Mais gelada o senhor não vai encontrar.
O rapaz tentou se explicar dizendo que não duvidava da potência do refrigerador – ou friza, como diz o Manoelzinho – mas preferia beber uma cerveja que viesse direto do engradado. A moça pelo jeito não havia lido o quadrinho precursor do Procon e que diz que o freguês tem sempre razão; e argumentava que ninguém bebe cerveja sem passar pela geladeira. E não queria servir porque poderia ir contra a política do bar.
O rapaz estava de bota e chapéu, ou seja, tinha pinta de goiano e não de alemão ou sueco, essa gente que toma cerveja na temperatura ambiente, até porque não precisam exatamente se refrescar. Mas ele explicou: tem uma condição de saúde que o impede de tomar qualquer coisa gelada.
Gastou saliva, mas foi atendido e, educado, ofereceu um copo à moça. “Experimenta!, disse. Ela aceitou o desafio, mas ficou no primeiro gole:
– Isso não é de Deus, não.
Publicado no Correio Braziliense em 6 de julho de 2019