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Comida proibida

Publicado em Crônica

Amigo viajando é quase sempre boa notícia, ainda mais quando são pessoas solidárias como o simpático casal que, vira e mexe, vai a Belo Horizonte matar as saudades de familiares e antigos companheiros. E volta com a bagagem recheada.

Sim, porque, por mais que Brasília seja hoje uma cidade de ar cosmopolita – embora o bolor provinciano exale da pele de algumas pessoas – não se encontra tudo por aqui; ainda mais se forem especiarias regionais.

O paladar movimenta o mundo desde os séculos XIII e XIV, quando a pax mongólica, impulsionou o comércio entre ocidente e oriente e mostrou que comida não era apenas para matar a fome, introduzindo temperos como cravo, canela, pimenta do reino e noz moscada.

O efeito colateral veio no que temos hoje: esse monte de programas culinários na TV, cada qual com um chef mais grosso que o outro.

Em Brasília é possível ter acesso a temperos do mundo todo, desde as garrafadas prontas da Tailândia a misturas de ervas secas da Provence ou Ligúria – e até a sensação do momento, o true lemon, cristais de limão, que podem vir misturados com alho e coentro, ou puros.

Mas alguns produtos brasileiros são sonegados; estão proibidos, sob desconfiança ou sofrendo mudanças radicais na produção.

A carne de sereno, típica do norte de Minas e sul da Bahia, por exemplo, está sumindo – ou pelo menos se transformando. Assim como a carne de sol nordestina como a conhecemos. As mantas não ficam mais expostas em varais. Hoje a desidratação é feita em ambiente protegido, quase industrializado, o que altera o sabor e a textura.

Também é difícil encontrar um cupuaçu como o de Macapá, mas temos simulacros por aí; assim como temos queijos “tipo” canastra, pepinos em conserva industrializados – nenhum cozido com parras, no entanto – e outros quitutes que enganam à primeira vista, e nos enchem de saudades.

É preciso, portanto, alguém que vá a origem, caso do casal amigo. Na bagagem deles vem sempre alguns chouriços legítimos. Feito com sangue suíno misturado a um tempero de limão, sal, vinagre um pouco de fubá de milho para deixar as tripas mais resistentes, o chouriço é um petisco que não agrada aos técnicos da vigilância sanitária, ainda que passe por uma fervura que, lá no interior, dizem que mata os germes.

Em todo o Brasil é proibido, ou pelo menos perseguido, assim como o cérebro bovino – e por isso anda sumida a moqueca de miolo. A lei não é clara, mas donos de açougue – por precaução – não oferecem os produtos para não correr o risco de atrair a fiscalização. Aqui, como no sul do país, tentam nos empurrar morcela, que parece mas não é chouriço.

Os mineiros, com aquele jeito de falar sem dizer nada, deram um jeito de manter tanto o queijo canastra (feito de leite cru) e o chouriço na mesa – miolo é mais difícil. E é por isso que nossos amigos, como aconteceu semana passada, são recebidos com festa e faixa no botequim: “Benvindos, Agustim, Kelly e chouriço”.

Publicado no Correio Braziliense, em 3 de janeiro de 2020