A vida não basta. É por isso que existe a arte. O ensinamento do poeta Ferreira Gullar alcança praticamente a todos, mas de maneira diferente. Há quem se satisfaça em contemplar, outros tentam ser mais participativos e existem os que tentam fazer arte – mesmo ruim, não importa, desde que exprima algum sentimento, harmonia, equilíbrio.
A arte nasceu antes da linguagem e é a grande responsável pela transformação de um ser unicelular que vivia sob água nessa confusão de células, hormônios e telefone celular que chamam de ser humano. A maioria de nós está tão ocupada com a sobrevivência que usa antolhos para ir sempre em frente. Mas há quem se cerque de arte para respirar melhor.
É o caso do Caio Tibúrcio que, aposentado do serviço público, ocupa o honroso cargo de embaixador de Patos de Minas em Brasília, com sede no Lago Norte. Caio escreve seus versos há muitos anos, promete aos amigos que vai – afinal – organizar os alfarrábios e reunir parte da produção em livro; vamos ver. Enquanto isso, vive cercado de música.
Afastado do bar por causa da pandemia, praticamente só dá notícias virtuais. E em torno dele parece que tudo vira arte: o filho Lucas – também compositor e violonista – saiu pelo mundo gravando o que via pela frente e postando os vídeos no YouTube; a filha Milena Tibúrcio lançou o terceiro disco, o neto Bento, aos 11 anos, gravou uma música de Hermeto Paschoal com o primo Gabriel e com o tio, o bandolinista Hamilton de Holanda.
A outra filha, Caísa, é atriz e estava envolvida com projetos virtuais – uma peça (Enluarada – Uma Apple Peia Sertaneja) recheada de música e um intercâmbio.
E isso sem falar dos genros, dois excepcionais violonistas 7 cordas, Fernando César e Rogério Caetano. O primeiro é um dos Dois de Ouro, duo de choro que fazia com o irmão Hamilton, o outro é o vencedor do Independence Music Awards pelo álbum Rogério Caetano Convida, em que ele divide espaço com um punhado de craques das cordas e bordões.
Não chega a ser a família Von Trapp, austríacos retratados no filme A Noviça Rebelde (foto), mas durante a fase aguda da pandemia – todos juntos – chegou perto, para alegria do patriarca que incentiva a todos, até com cumplicidade. Caio é parceiro da filha em duas canções do disco Sonho Estrada Coração, que pode ser ouvido no Spotfy (como os demais).
É um ambiente artístico que não vai acabar tão cedo. Depois de ouvir o avô recitando alguns de seus poemas, a netinha Cora, reclamou que ele nunca tinha feito uma poesia para ela. A mancada avoenga foi reparada rapidamente e termina assim: “Oh! Cora, linda, meu lema,/ Melhor se eu prevenisse:/ pois, para lhe ter como tema/ só se o poema florisse”.
Não ficou sem resposta. Cora gravou sua trovinha em homenagem ao vovô Caio: “Ele tem o cabelinho, branco, branco, bem branquinho/ Ele conta umas piadas, que não são tão engraçadas/ escreve poesias que dão muitas alegrias/ eu escrevo esse versinho pro vovô barrigudinho”.
Publicado no Correio Braziliense em 1 de agosto de 2021