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Acidente cósmico

Publicado em Crônica

O noticiário do espaço sideral anda quente. Um asteroide de 55 milhões de toneladas e 340 metros de diâmetro passou raspando pela Terra no último mês de outubro; outro corpo celeste – desta vez com 620 metros – passou perto há poucos dias, com uma força de destruição de 2.700 megatons, 50 mil vezes mais poderosa que a bomba atômica que destruiu Hiroshima. Por enquanto, vamos nos esquivando.

Enquanto isso, a Nasa desenvolve uma nave para atingir um asteroide e saber se o choque será capaz de mudar o curso da rocha Didymos B. É um teste para o caso de uma ameaça real ao planeta. Mas pode ser tarde: a mesma Nasa afirma que no dia 6 de maio de 2022 o asteroide JF1 pode carambolar o nosso planeta, com a força de algumas bombas atômicas.

Portanto, é hora de dizer adeus e, como não há muito o que fazer daqui de baixo, o negócio é relaxar. O fim do mundo é tema recorrente especialmente no cinema. Roteiristas e diretores buscam todo tipo de desgraça para cumprir a profecia do livro de João, quando anjos derramam taças sobre a terra, trazendo a ira de Deus em sete etapas.

Na música, a situação encontra imagens diversas; otimistas, como Nelson Cavaquinho em Juízo Final, de 1973 (“O sol há de brilhar mais uma vez/ A luz há de chegar aos corações/ Do mal será queimada a semente/ O amor será eterno novamente “) às mais pessimistas, como Roberto Carlos em Apocalipse, de 1986 (“Perto do fim do mundo/ … Muitos não querem ver/ Mentes em eclipse/ Mas tudo está escrito/ No Apocalipse”).

Não é exclusividade nacional. Os roqueiros ingleses do Muse são fatalistas em Apocalipse Please, de 2003: “Isso é o fim/ O fim/ Isso é o fim do mundo/ …Vamos, é hora de algo bíblico”. Skeeter Davis, em The End of the World, de 1962, é mais romântica: “Porque o sol continua brilhando/ Eles não sabem que o mundo acabou?/ Terminou quando perdi seu amor”.

Há abordagens que beiram o absurdo, como A Moda do Fim do Mundo, de Rolando Boldrin e Tom Zé (1993) – “Nesse dia a gente tem que resolver/ Que nós temos que esconder/
Aquele galo bolinha/ Pra dispois do fim do mundo a gente ter/ Um macho pras galinhas”. Ou pragmáticas: “O que você faria se só te restasse esse dia/ Andava pelado na chuva/ Corria no meio da rua/ Entrava de roupa no mar/ Trepava sem camisinha”, de Paulinho Mosca em O Último Dia, de 1995.

Mas ninguém superou Assis Valente que, em 1934, narrou a frustração de ver que a vida continuava igual em E o Mundo Não se Acabou, gravada por Carmem Miranda: “Beijei a boca de quem não devia/ Peguei na mão de quem não conhecia/ Dancei um samba em traje de maiô/ E o tal do mundo não se acabou”.

O único consolo é que o Relógio do Apocalipse, criado há 72 anos por cientistas atômicos, está perto da meia-noite, mas ainda não bateu.

Publicado no Correio Braziliense em 29 de novembro de 2019