Amigos são preciosos, mas a solidão – que é a nossa própria companhia – não vale menos que eles. Algumas vezes o melhor acompanhante está dentro dos próprios sapatos da gente, usa as mesmas meias, e só espera uma chance para conversar, para escolher a estrada a seguir diante da encruzilhada que se apresenta à frente. É o momento que o id se bate com o superego e oferece soluções ousadas que, balizadas pelo juízo, nos levam à frente.
A solidão quase sempre é mal compreendida. Recolhimento muitas vezes é confundido, no mínimo, com atitudes antissociais; e, no máximo, com doença – ficar sozinho, dizem os apressados, é a porta de entrada para a depressão. Que me perdoem os gregários, esses que não conseguem suportar a própria presença, mas ficar sozinho é uma necessidade.
Uma linha do filme Grande Hotel, de 1932, virou a marca de Greta Garbo, no papel da bailarina Grusinskaya – “eu quero ficar sozinha”, dizia ela, numa frase que foi usada para justificar a ojeriza da atriz a qualquer badalação. Aldoux Huxley, um dos papas da contracultura, disse que mente poderosas e originais são atraídas pela “liturgia da reclusão”.
Mas o sociólogo Domenico De Masi definiu melhor esse conceito, ao propor o ócio criativo, que ao contrário do que a vagabundagem geral imagina, não prega a alienação total, mas teoriza e potencializa um velho posicionamento italiano, o dolce far niente, ou seja, o doce não fazer nada. É no ócio, raciocina, que as baterias são recarregadas.
Nada que Drummond já não soubesse quando escreveu que a vida necessita de pausas.
Toda essa mixórdia me ocorreu quando sentei num café, exatamente para dar uma organizada nos pensamentos; éramos eu, uma garrafinha de água sem gás, um copo vazio, a xícara com o café e um saquinho de açúcar. Nada mais. Desliguei o celular e, naquela conversa silenciosa, da qual tomava discretas notas num bloquinho, resolvi o dia.
Na mesa ao lado, a mocinha batucava as teclas de um computador; mais a frente, um rapaz não parava de mandar textos pelo telefone; enquanto outro parecia contrariado com alguém, xingando quem não o atendia. Nas outras duas mesas, pessoas verificavam mensagens recebidas, riam sozinhas e provavelmente mandavam mãozinhas ou carinhas como resposta. Movimentação intensa.
Ou seja: ninguém mais fica sozinho, nem por uns minutinhos. A vida acontece na velocidade dos nanosegundos, que são a bilionésima parte de um segundo. Há uma sensação de tempo perdido a cada instante, numa nova forma de opressão que obriga a múltiplas tarefas, sensações e emoções. Claro que isso impede qualquer reflexão. E assim vamos ficando mais estúpidos.
O telefone móvel mudou a vida de todo mundo; ao mesmo tempo que facilita tarefas, oprime pela necessidade das respostas imediatas, múltiplas conversas, variedade da informação. Não há mais hora para nada; a vida virou um turbilhão por causa do mau uso dos aparelhos, das pessoas sem desconfiômetro, que não hesitam em incomodar a qualquer momento. Portanto, que ninguém ligue: se não atender devo estar ocupado, conversando comigo mesmo.
Publicado no Correio Braziliense de 16 de dezembro de 2018