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8 de janeiro: concurso da PMDF pode eliminar candidatos envolvidos em vandalismo

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No edital, recém-lançado, itens explicitam diretamente incompatibilidade com esse tipo de conduta e podem penalizar o candidato na fase da sindicância de vida pregressa e investigação social. Especialista explica que tais etapas são mais rigorosas em certames para a PM, “devido aos princípios de hierarquia e disciplina que regem as organizações militares”

Após 17 dias dos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) lançou edital de abertura de novo concurso público, com oferta de 2.100 vagas para o cargo de soldado (com remuneração de R$ 6.081,28). Desde os fatos ocorridos em 8 de janeiro, a corporação está em foco no noticiário nacional, já que todo o efetivo foi convocado para atuar na contenção dos atos de vandalismo e, segundo diversas denúncias, o governo federal, integrantes da Polícia Federal e do Judiciário têm creditado à omissão da PM do DF a responsabilidade pela invasão e destruição do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF). A polêmica culminou na exoneração e prisão do ex-comandante da PMDF,  coronel Fabio Augusto Vieira.

Desta feita, no novo edital do concurso, foram incluídos alguns itens que explicitam que tal comportamento criminoso é “incompatível com serviço de policial militar, podendo resultar na contraindicação perante o concurso público” — segundo a redação do subitem 16.19, do documento que lançou a seleção. Dentro do subitem, são listadas algumas situações que podem ser assim penalizadas, como o da letra “c”, que considera como fato passível de desclassificação do certame “ter-se envolvido com a incitação, exaltação ou apologia a atos de vandalismo”. Sentença que não constou expressamente no edital de abertura do último concurso da PMDF, lançado em 2018.

São inéditos também os itens que desclassificam inscritos por terem se envolvido com a incitação ou prática de atos de perturbação de sossego e com a incitação, exaltação ou apologia a atos criminosos.

Além dos itens inéditos, que compõem a fase de sindicância de vida pregressa e investigação social da seleção, há ainda outros que seguem a mesma conotação. Veja todos os destaques:

[…]

c) ter-se envolvido com a incitação, exaltação ou apologia a atos de vandalismo; [item inédito]

d) ter-se envolvido com a incitação ou prática de atos de perturbação de sossego; [item inédito]

e) ter-se envolvido com a incitação, exaltação ou apologia a atos criminosos; [item inédito]

[…]

n) prática de ato de deslealdade às instituições legalmente constituídas;

[…]

bb) participação ou filiação como membro, sócio, ou dirigente de entidade ou organização cujo funcionamento seja legalmente proibido ou contrário às instituições constituídas ou ao regime vigente;

[…]

gg) possuir tatuagem que faça apologia a ideias discriminatórias ou ofensivas aos valores constitucionais, que expresse ideologias terroristas, extremistas, incitem a violência e a criminalidade, ou incentivem a discriminação de raça e sexo ou qualquer outra força de preconceito ou, ainda, que faça alusão a ideia ou ato ofensivo à polícia;

[…]

v) frequência a locais incompatíveis com o decoro da função policial militar;
w) vício de embriaguez;
x) uso ou dependência de droga ilícita;
y) incentivo à prostituição ou o seu exercício;
z) prática habitual de jogo proibido; […]

 

Segundo o professor de direitos humanos e processo penal e coordenador da Consultoria Alcateia, do IMP Concursos, especializada em carreiras policiais, Tiago Medeiros, “esse item pode eliminar o candidato na fase da sindicância de vida pregressa e investigação social, porém não vejo nenhuma ligação direta com os atos do dia  8 de janeiro. Os atos que compõe atitude de vandalismo já são tutelados pelo nosso direito penal e seriam em todo caso, independentemente da previsão editalícia, motivo para eliminação do candidato. Essa fase em especial do concurso é mais rigorosa nas Polícias Militares devidos aos princípios de hierarquia e disciplina que regem as organizações militares, condensando valores como o respeito à dignidade da pessoa humana, o patriotismo, o civismo, o profissionalismo, a lealdade, a constância, verdade, a honra, a honestidade e a coragem”.

 

Para Max Kolbe, porém, advogado especialista em concursos públicos e integrante da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, possivelmente a inclusão do envolvimento com “atos de vandalismo” como causa característica de comportamento incompatível com o serviço policial militar foi acrescentada ao edital em virtude dos atos violentos registrados na capital federal. “Todavia, falta rigor técnico em tal previsão, uma vez que não há correspondente na legislação penal pátria a ‘atos de vandalismo’, havendo sim o tipo penal de ‘dano qualificado’, este sim mais adequado à tipificação, em tese, dos atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023. Ademais, a análise dos fatos que caracterizam comportamento incompatível com o serviço policial militar, podendo resultar na contraindicação para o exercício de função pública, não pode se dar em contrariedade à lei ou mesmo à norma constitucional. Algumas alíneas constantes do item 16.19 do referido edital como, por exemplo, aquelas que utilizam a expressão ‘ter-se envolvido’, dentre outras, podem ser, a nosso sentir, questionadas judicialmente sob a premissa de eventual ofensa ao princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º da Constituição Federal. Por fim, não podemos esquecer que o edital de concurso público, por não ser espécie normativa primária ou secundária, não pode inovar o ordenamento jurídico, criando obrigação ou restringindo um direito, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. As causas impeditivas para o exercício de qualquer cargo e/ou emprego público devem constar expressamente em lei, ainda que, na prática, nem sempre seja assim”.

Questionada se a inclusão dos itens foi causada pelos atos antidemocráticos do último 8 de janeiro, a PMDF afirmou, ao Papo de Concurseiro,  que “o ordenamento jurídico é dinâmico. Desse modo, diversas novas questões podem ser apresentadas como critérios para a investigação de vida pregressa do candidato. Fora disso, são apenas suposições”.

 

Clique para ampliar a imagem (item 16.19 completo do edital PMDF 2023) 

 

Crimes contra patrimônio também serão cobrados em provas

Ainda com conotação aos atos terroristas em Brasília, é previsto no conteúdo programático, mas não de forma inédita, o item 6.2 da disciplina de direito penal: os crimes contra o patrimônio (conhecimento exigido também em 2018, por exemplo). Dentro do tema, Medeiro destaca os seguintes crimes: “Os crimes contra o patrimônio mais cobrados em concursos públicos são o furto, roubo, latrocínio, receptação, dano e o estelionato. Com atenção especial ao crime de estelionato que sofreu recentes e importantes alterações devido ao Pacote Anticrime.”

“O Instituto AOCP é conhecido por uma cobrança ‘capa a capa’ do conteúdo de processo penal, a banca não vincula muito a cobrança das questões à carreira do concurso. Então é possível que temas complexos como Jurisdição, Competência e Nulidades sejam explorados pela banca em detrimento de temas comuns às carreiras policiais como é o caso das prisões e do inquérito policial”, aponta o especialista.

Ele também orienta que as principais pontos cobrados na área de Processo Penal são: as normas constitucionais que regulam o processo penal, as leis processuais especiais (Maria da Penha e Lei dos Juizados Especiais) e a própria literalidade do Código de Processo Penal. Os principais temas abordados são: princípios constitucionais aplicáveis ao Processo Penal, princípios processuais penais, principais institutos processuais, inquérito policial, ação penal, jurisdição, prisões e provas.

Mais sobre o 8 de janeiro

Em depoimento à Polícia Federal (PF), o ex-número 2 de Anderson Torres na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, Fernando Sousa Oliveira, considerou que houve erro na ação da Polícia Militar do DF para conter os atos de vandalismo. Em relação às responsabilidades de cada ator da segurança, Oliveira destacou que a missão de segurança e patrulhamento da Esplanada dos Ministérios ficou a cargo da PMDF, seguindo o Plano de Ações Integradas, e que toda a movimentação era monitorada em dois grupos de Whatsapp, “Difusão” e “Perímetro”.

interventor federal Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, declarou, em 13 de janeiro, durante cerimônia no Ministério da Justiça para homenagear os envolvidos na operação de defesa da democracia, que a PMDF “não está feliz”, mas, sim, “machucada” pelo que ocorreu nos ataques terroristas. O interventor afirmou ainda ter plena confiança de que a corporação vai “separar o joio do trigo” e restaurar a confiança do povo.

 

* Estagiária sob a supervisão de Lorena Pacheco