NEM SEMPRE A JUSTIÇA FAZ JUSTIÇA: Um estudo de caso.

Publicado em Sem categoria

Por Maria Eduarda Matos

O caso do ex-diretor empregado do Grupo João Santos: inocentado em diversas ações, inclusive na Operação Background, mas condenado de forma ilegal em tantas outras: Francisco Penha, idoso que completa hoje 99 anos e tem 30% de sua aposentadoria penhorada em razão dos desmandos ocorridos no Grupo Industrial que detém a marca Cimento Nassau.

Foi em 2018 que o Sr. Francisco de Jesus Penha teve uma ingrata surpresa: tendo uma compra negada no cartão de débito, descobriu que estava com todas as suas contas bancárias bloqueadas por ordem judicial. Logo após, teve a notícia de que era mais nebulosa a situação: numerosas Certidões da Dívida Ativa contendo seu nome como corresponsável, cadastro em listas de inadimplentes e diversos processos judiciais cobrando dívidas acumuladas do Grupo João Santos, do qual nunca foi sócio ou acionista de qualquer empresa.

Sem defesa e sem ciência, era devedor relapso, sonegador e até criminoso perante a justiça. Em tal momento descobriu que todo aquele contexto se dava em razão de desmandos cometidos por seus ex-empregadores, para quem pediu demissão em agosto de 2015 em razão dos diversos conselhos técnicos não seguidos e reiterados pleitos pela regularização de dívidas que não foram ouvidos.
Processos alheios aos ditames do art. 135,III do Código Tributário Nacional e o art. 50 do Código Civil, além da mácula a direitos e garantias inscritos em diversas partes de nossa Constituição.
O pesadelo ainda pioraria, pois em maio de 2021 recebeu uma busca e apreensão da Polícia Federal em conjunto com a Procuradoria da Fazenda Nacional em sua residência e, concomitantemente, um bloqueio sensacionalista de cerca de 9 bilhões de reais em sua conta (que apenas guardava o resíduo de sua aposentadoria, sua única renda) , por volta das 5h da manhã, na qual teve todos os seus pertences vasculhados, inclusive os de sua esposa recém falecida. Itens que, enlutado, ainda não tinha coragem de desbravar. Assim, viu violada a intimidade da companheira de 71 anos de casamento, além de fotos de família espalhadas, livros e seus documentos, que guardavam a história de toda uma vida de estudo e trabalho.

Uma investigação minuciosa foi realizada e após apresentação de denúncia pelo Ministério Público Federal, o Excelentíssimo Magistrado, responsável pelo caso, verificou, através de depoimentos e várias provas levadas aos autos que não havia justa causa para manter o Sr. Francisco no processo. A falta de justa causa é exatamente quando não existem indícios que apontem para conduta criminosa e que, diante desta ausência, a persecução criminal não deve ter seguimento: do contrário seria dar continuidade a um uso abusivo do direito de acusar do Estado.
Hoje, “inocentado”, excluído dos autos da persecução criminal, pode ver parte da justiça concretizada em vida e “ter seu nome limpo e não como bandido” como ele diz, uma vez que, em razão da infeliz morosidade do judiciário, que é um fato, e sobretudo pela idade dele, que completa hoje 99 anos, esta boa notícia poderia não ter chegado até ele, reparando, mesmo que minimamente todos os danos que ele vêm sofrendo em razão dos verdadeiros culpados pela inadimplência do Grupo: os tomadores de decisão dentro da organização das empresas.

Além da questão criminal, responde a milhares de processos de forma injusta, todos frutos das dívidas do Grupo João Santos. As mais alarmantes são as ações trabalhistas, nas quais por via de desconsideração da personalidade jurídica, de forma equivocada e o chamando de “sócio”, diversos reclamantes pedem a inserção do Sr. Francisco no polo passivo.
Em muitas dessas ações, já obteve decisões positivas, que analisam profundamente a documentação levada aos autos: relatórios técnicos que demonstram que ele nunca foi omisso e era apenas um empregado sem poderes, declarações de diversos ex-empregados do Grupo falando sobre o fluxo de poder nas empresas e sobre a conduta ilibada do empregado, Atas de Juntas Comerciais e até mesmo declarações antigas das próprias empresas afirmando que ele nunca teve direito à voto perante as mesmas. Ou seja, era empregado, Diretor de Área Técnica e não tinha como ingerir nas decisões dos donos. Ainda assim, foi enfático de forma expressa e documentada sobre a necessidade da regularização do passivo, sob pena até de responderem criminalmente. Ou seja, prevendo todo o enredo atual.
Como seus conselhos técnicos não foram ouvidos, pediu renúncia por carta direcionada aos presidentes do Grupo, os únicos tomadores de decisões conforme inclusive os documentos relativos a Holding que abarca todas as empresas da Família Pereira dos Santos e tal carta foi citada em assembleias com atas registradas junto aos órgãos competentes.

Segundo o Sr. Francisco postou em suas redes sociais, mesmo tendo deixado o cargo em 2015, continua recebendo diariamente intimações para responder a novos incidentes processuais. Infelizmente, as visitas de oficiais de justiça e remessa de cartas com intimações são contínuas, milhares de empregados estão acionando via incidente de desconsideração para redirecionar as dívidas das empresas para supostos sócios ou empregados que trabalhavam em Diretorias Técnicas, em razão do decurso do tempo após a aprovação da Recuperação Judicial e ainda sem perspectiva para o recebimento dos valores devidos. Ocorre que estão cobrando de pessoa ilegítima, que nenhuma relação tem com aqueles débitos e nunca contribuiu para os seus fatos geradores.

A jurisprudência e a doutrina já são consolidadas no sentido da não possibilidade de redirecionamento de dívidas de empresas para empregados sem provas de sua atuação irregular; ocorre que ainda assim, alguma unidades judiciárias, sem analisar as provas e, ainda, pelo fato de alguns reclamantes insistirem em chamar o Sr.Francisco de sócio, mesmo diante de evidentes provas, muitas injustiças acabam ganhando continuidade.
Exatamente pelo problema ser um erro na avaliação de fatos/provas e não um erro de direito/ análise da legislação, uma vez que a tese sobre a não possibilidade de responsabilizá-lo já é uma realidade firmada, não se admite um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para fazer cessar todas essas demandas.

É um problema que só será solucionado com a consciência das pessoas de que elas não podem cobrar a qualquer custo, sobretudo de receber de quem não deve e precisa de sua aposentadoria para manutenção básica de sua vida. Além disso, um pronunciamento dos novos gestores e de todos os herdeiros, sobretudo os não denunciados na Operação sobre a pura verdade, de que Francisco Penha era apenas um empregado sem poder de mando, poderia gerar uma redução de danos, mas não a solução de um problema sistêmico.

Infelizmente, como sistema de justiça, ainda temos muito a evoluir, sobretudo quanto se trata dessas demandas massivas, repetitivas. É inadmissível a convivência de, diante de fatos idênticos, inclusive dentro de uma mesma unidade judiciária, que decisões totalmente opostas sejam conviventes. Este é o caso do Sr. Francisco, exemplo contextual e de direito que poderá servir de exemplo e evitar que muitas pessoas sofram tudo o que ele está sofrendo e, sobretudo, para honrar a aplicação da lei e da constituição, tornando uma realidade e não mera letra morta.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*