Entrevista: Eduardo Baptista. De técnico do Palmeiras na Libertadores a sensação da Série D

Publicado em Esporte
Eduardo Baptista tirou Brasiliense e está a dois jogos do acesso à Série C. Foto: Agência Mirassol

 

Ele eliminou o time de melhor campanha da Série D do Campeonato Brasileiro e está a dois jogos de alçar o Mirassol à Série C. Carrasco do Brasiliense pela segunda vez em oito anos, o técnico Eduardo Baptista conta na entrevista a seguir ao blog por que abriu mão de elencos luxuosos da Série A por projetos sustentáveis como o do modesto clube do interior paulista. Em 2017, o filho do competente Nelsinho Baptista comandava o badalado Palmeiras campeão brasileiro de 2016 na Libertadores. Com passagem por Sport, Fluminense, Athletico-PR e Coritiba, escolheu dar passos atrás para avançar na carreira. Convicto do trabalho no Mirassol, resistiu aos assédios recentes de times da primeira e segunda divisão nacional.

Aos 48 anos, o paulista de Campinas conta que dois times defendidos pelo pai — um como jogador e outro no papel de treinador — inspiram os trabalhos dele como técnico. Crítico, detona os debates sobre técnicos estrangeiros e brasileiros, defende a inclusão de cota para demissão de técnicos no regulamento do Brasileirão e argumenta que os dirigentes do futebol nacional precisam ser educados. Sobre a vitória contra o Brasiliense nas oitavas de final, ele destaca a baixa medida de idade do Mirassol como trunfo e cita um bom presságio: em 2008, o Sport, comandado por Nelsinho Baptista, também eliminou o Brasiliense nas oitavas de final da Copa do Brasil e partiu rumo ao título inédito do mata-mata nacional. O acesso à Série C pode começar a ser construído neste sábado no jogo de ida contra o Aparecidense, no Estádio Maião, em Mirassol (SP). 

 

Há três anos, você comandava o Palmeiras na Libertadores. O seu perfil é de técnico de Série A ou B. O que o motivou a topar um desafio na quarta divisão do Campeonato Brasileiro?

Eu vim atrás de um projeto. Conheço o gestor, que é o seu Juninho Antunes (diretor de futebol), e sei do seu potencial. Temos que ajudar pessoas como ele a chegar em um nível mais alto. Há um planejamento nas categorias de base. Todo cuidado e um carinho com o atleta.  Vim para o Mirassol por causa de um projeto, a montagem de um time que, de início, era para o Campeonato Paulista, mas a gente tinha uma Série D. Começamos com um time bastante jovem, sem aquela obrigação de subir em um primeiro momento, mas as coisas começaram a andar bem, os resultados aparecer, a gente viu que era possível chegar um pouco mais longe, nos reforçamos e, hoje, estamos disputando um acesso para a Série C. O planejamento é montar um time forte para o Paulistão, subir para a Série C e, depois da Série C, fazer uma competição forte e subir para a B. Vim para um planejamento em longo prazo com pessoas que pensam assim. No boca a boca tem muita gente que fala em planejamento, mas poucos sabem ou cumprem isso.

 

Qual foi o maior atrativo para dizer sim ao projeto do Mirassol?

Primeiro é o gestor, que tem uma visão muito diferente do que a gente está acostumado no futebol brasileiro, e a estrutura fantástica, de time de Série A. Isso que me atraiu aqui.

 

Seu plano é seguir no Mirassol ao término da temporada ou aguardar proposta de um time das principais divisões do futebol brasileiro?

O meu projeto com o Mirassol é muito sério. Temos um contrato até o fim do Campeonato Paulista com uma possível renovação até o fim do ano. Tive alguns contatos de times da Série B e até um da Série A, mas não abandonarei o projeto. Vim para levar esse planejamento para divisões maiores. Vamos conseguir o acesso, fazer um Paulistão seguro, uma Série C boa e chegar numa Série B. Isso seria uma justiça para um time do porte de um time como Mirassol.

 

Vim para um planejamento em longo prazo com pessoas que pensam assim. No boca a boca tem muita gente que fala em planejamento, mas poucos sabem ou cumprem isso.  Vim para levar esse planejamento para divisões maiores. Vamos conseguir o acesso, fazer um Paulistão seguro, uma Série C boa e chegar numa Série B. Isso seria uma justiça para um time do porte de um time como Mirassol

 

O que tem de Nelsinho Baptista e o que há de Eduardo Baptista nesse time do Mirassol?

O que tem do Nelsinho em mim é toda a educação, a minha formação como pessoa, como homem, com caráter. Meu pai é meu educador, a minha inspiração. Ensinou muita coisa, ajuda muito sempre como pai, amigo. Tem muito dele no Mirassol e onde eu estiver. É o cara que idealizou tudo isso aqui, que me criou, orientou, orienta ainda. Ter um pai para a gente recorrer é de um valor tremendo. Tem muito do Nelsinho e algumas coisas minhas que você vai levando, aprendendo e ampliando dentro da sua característica. A grande lição que tenho do Nelsinho comigo é humildade. Isso é o mais importante.

 

 

Como é a relação com seu pai. Trocam ideias sobre futebol?

Tem dois times que me inspiram. Um do tempo em que meu pai era jogador e outro treinador. Como jogador, em 1978 eu estava começando a entender o que é futebol, tinha somente seis anos e meu pai era capitão da primeira formação dos Meninos da Vila, com Juari, Batata, João Paulo, Rubens Feijão, Gilberto Sorriso, Clodoaldo, Pita, era um time fantástico. Eu comecei a gostar de futebol vendo esses meninos jogar. Meu pai era capitão daquele time do Santos, em 1978. Foram campeões do Paulistão. Hoje, escuto as pessoas falando de futebol desse, daquele, mas quem lembra daquele Santos sabe que era uma coisa inexplicável. Como treinador, o Sport de 2008. Fomos campeões da Copa do Brasil. Era um time fantástico. Não tinha talento, mas era uma garra, uma fibra… Ganhamos no peito e na raça do Corinthians. Fico feliz por ter feito parte daquele Sport de 2008 (auxiliar do pai, Nelsinho Baptista).

 

Antes de virar técnico você foi preparador físico. O que mudou na preparação física. O futebol, hoje, é mais preparo físico do que técnico ou tático? Antigamente, pré-temporada tinha semana de preparação física e depois bola. Hoje, é bola direto. É uma mudança?

Comecei a ver lá atrás que as coisas não poderiam ser separadas. Tinha que ter um bom entendimento técnico para fazer um bom trabalho físico, ou tático para ter um bom preparo físico. Eu comecei a passar de preparador físico para técnico quando houve essa mudança que você está questionando. Hoje, as coisas são juntas. Não é mais preciso separá-las. Hoje dá para trabalhar força tendo bola, velocidade, tudo muito específico dentro do campo de jogo, com chuteira. Quanto mais próximo você trouxer o treinamento do jogo para a parte físico, minimizaremos lesões, protegeremos o jogador e ele terá uma carreira mais longeva. Acaba aquele negócio de treino pesado que você disse: era uma semana dedicada apenas ao trabalho físico, correndo tiros de 1.000, 2.000m, o jogador corria quase 10.000m. Essa mudança trouxe mais vigor, mais intensidade, o jogo ficou mais rápido, a parte tática também evoluiu, os espaços diminuíram e você vê um jogo muito mais brigado, muito mais veloz.

 

Tem dois times que me inspiram. Um do tempo em que meu pai era jogador e outro treinador. Como jogador, em 1978 eu estava começando a entender o que é futebol, tinha somente seis anos e meu pai era capitão da primeira formação dos Meninos da Vila, com Juari, Batata, João Paulo, Rubens Feijão, Gilberto Sorriso, Clodoaldo, Pita, era um time fantástico.  Como treinador, o Sport de 2008. Fomos campeões da Copa do Brasil. Era um time fantástico. Não tinha talento, mas era uma garra, uma fibra… Ganhamos no peito e na raça do Corinthians

 

A média de idade do Brasiliense no jogo de volta das oitavas de final da Série D era de 30 anos. Sete jogadores tinham 30 anos ou mais. A do Mirassol, 24,8, com apenas um trintão. Até que ponto isso faz diferença em uma competição como a Série D?

Esse foi um grande paradigma que a gente quebrou. Os times que subiam da Série D para a C tinham idade mais alta como a do Brasiliense. Falava-se muito em experiência, times cascudos, e a gente apostou em um futebol mais jogado, com um time mais jovem, leve. Apostamos nisso. Que bom que tem dado certo e tomara que a gente consiga o acesso.

 

Você teve experiência em pelo menos quatro times que estão na primeira divisão: Sport, Fluminense, Athletico-PR e Coritiba. O que faltou para manter-se na elite?

Essa história de permanecer ou não na elite é muito relativa. Foi uma opção minha. Eu tive recentemente dois convites da Série B e um da A. Eu optei por fazer um trabalho, inicia-lo, fazer a coisa andar. Começar do zero e fazer em longo prazo. Tive dois grandes trabalhos na minha carreira como treinador. Fizemos a melhor campanha da história do Sport na era dos pontos corridos (6º). No ano seguinte também, com a Ponte Preta na Série A. Alguns trabalhos não encaixaram e a gente vive de resultado. O tempo de planejamento é importante, Tanto no Sport como na Ponte Preta, em construí tudo. Montamos desde o começo. Em outros times, às vezes você chega como salvador da pátria e vira uma loteria. Levei isso em conta ao recusar alguns convites. Não ser o salvador da pátria, mas um treinador que monta o projeto. A expectativa é de crescer com o Mirassol, fazer algo grande aqui, assim como foi no Sport.

 

Os times que subiam da Série D para a C tinham idade mais alta como a do Brasiliense. Falava-se muito em experiência, times cascudos, e a gente apostou em um futebol mais jogado, com um time mais jovem, leve. Apostamos nisso. Que bom que tem dado certo e tomara que a gente consiga o acesso

 

É favorável a cota para demissão de técnicos? A CBF propôs no máximo duas mudanças no ano passado, porém, os clubes rejeitaram.

Essa discussão de dois treinadores por campeonato é válida para educar os nossos dirigentes. Muitas vezes, eles contratam o treinador sem entender a característica do técnico e ela conflita com a do clube. Isso fará com que o dirigente pense mais, estude melhor o treinador, ou seja, se ele se encaixa no projeto. Do jeito que está é muito fácil. Times com três, quatro, cinco, seis trocas de treinadores. Ao mesmo tempo, é muito ruim. Os times que trocam quatro, cinco vezes de técnico são os que caem.

 

Qual é seu livro de cabeceira no momento, aquele que o motiva nas batalhas do Mirassol?

Meu livro de cabeceira e a Bíblia. É a minha motivação de todos os dias para trabalhar, educar os meus filhos, ter convivência com a minha esposa. Esse é o meu livro de cabeceira.

 

Há discussão sobre quem é melhor: técnico brasileiro ou estrangeiro. O que acha disso?

Acho que é uma discussão em vão. Jorge Jesus e Jorge Sampaoli tiveram sucesso. O restante naufragou. É uma polêmica boba. Não leva a lugar nenhum. O melhor técnico é aquele que trabalha melhor, tem as melhores ideias, independentemente se é brasileiro ou estrangeiro. Quando a gente fica nessa guerra, perdemos tempo e desviamos o foco. Temos grandes treinadores brasileiros e grandes estrangeiros. Acho importante a vinda deles para o Brasil porque a gente troca ideias, traz coisas que não temos oportunidade de acompanhar de lá, eles também aprendem muito. Jorge Jesus disse que aqui tem o campeonato mais difícil do mundo. Ele jogou Champions League, está numa grande equipe em Portugal. Os estrangeiros trabalham aqui e percebem que é difícil. O importante é que seja treinador bom.

 

Essa discussão de dois treinadores por campeonato é válida para educar os nossos dirigentes. Muitas vezes, eles contratam o treinador sem entender a característica do técnico e ela conflita com a do clube. Isso fará com que o dirigente pense mais, estude melhor o treinador, ou seja, se ele se encaixa no projeto

 

Falta um título na carreira como técnico. Vai ser na Série D?

Eu tenho alguns títulos como treinador, antes como preparador físico, mas, hoje, o título da Série D é o segundo plano. O foco é o acesso. Depois, sim, o título brasileiro, que seria bom para todos nós aqui, bom para o Mirassol.

 

O Brasiliense tem jogadores como Carlos Eduardo, Zé Love, Fernando Henrique, Radamés… São nomes que você gostaria de ter no elenco do Mirassol?

São jogadores que a gente conhece. Enfrentei bastante o Radamés, eu pelo Sport, ele no Náutico. Enfrentei muito o Zé Eduardo no Santos. Levei o Carlos Eduardo para o Coritiba. Infelizmente, não deu tempo de a gente trabalhar junto. São jogadores de altíssimo nível. Nós sabíamos que teríamos de passar por um adversário extremamente experiente e qualificado. Hoje, não estamos pensando muito em Paulistão, mas são nomes interessantes.

 

Quais são as recordações de Brasília?

Brasília sempre traz boas recordações. Na campanha do título do Sport na Copa do Brasil, em 2008, nós também enfrentamos o Brasiliense e perdemos por 2 x 1. Depois, na Ilha do Retiro, vencemos por 4 x 1 e na sequência fomos campeões. Tem muita semelhança com o Mirassol. Tomara que isso aconteça. Enfrentamos o Brasiliense nas oitavas de final de 2008. Perdemos a primeira, na Boca do Jacaré, e depois vencemos por 4 x 1. Tomara que seja grande presságio.

 

 

Siga no Twitter: @mplimaDF

Siga no Instagram: @marcospaulolimadf