Cuidado (Não Remunerado) por Toda Vida. Até Quando?

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Durante dois dias esta semana, Cosette Castro participou do Seminário Desafios da Década do Envelhecimento Saudável no Brasil organizado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde ( OPAS), em Brasília.

No segundo dia, quinta-feira, 19, ela era convidada a falar, apresentando a experiência do Coletivo Filhas da Mãe, rede de apoio à cuidadoras familiares de familiares com demências.

Abrimos espaço no Blog para os comentários da Cosette.

Cosette Castro – “É sempre uma grande responsabilidade falar sobre o Coletivo Filhas da Mãe.

Ainda mais para um público de gestores, tomadores de decisão do governo federal, conselheiros, representantes de associações e pesquisadores, a maioria médicos.

É muito mais do que falar sobre nossos projetos.

Se trata de falar da tentativa diária, por quase quatro anos, de tirar as cuidadoras familiares da invisibilidade através de projetos voltados para toda população.

É também a tentativa de chamar atenção para a questão das demências, entre elas o Alzheimer. De levar informações diariamente para diferentes públicos.

No caso do Seminário Desafios da Década do Envelhecimento Saudável no Brasil, era um público muito bem informado sobre as questões do envelhecimento e sobre doenças, como as demências.

Se trata de lembrar por exemplo, que, apesar de ser o tipo mais preponderante, existem mais de 100 tipos de demências, entre elas as demências mistas. E pouca gente sabe disso.

Em todos os casos, as mulheres são as mais atingidas. Um dos motivos é o trabalho de cuidado não remunerado que desempenham ao longo da vida.

Algumas começam muito cedo, ainda crianças, contribuindo nos trabalhos domésticos e no cuidado de irmãos ou outros parentes.

A maioria segue cuidando dos maridos, filhos, familiares enfermos, idosos e agregados (filhos do segundo companheiro, sobrinhos, afilhados) e depois os netos. Em alguns casos, cuidam também de bisnetos. Elas não param de cuidar. Gratuitamente.

Como se fosse pouco, são responsáveis pela saúde, alimentação, orçamento, compras, higiene da casa e também de animais domésticos. E de pátios, hortas ou jardins.

Há uma naturalização do cuidado como algo inerente ao feminino. Não é. Tampouco é uma missão, como se fosse algo ligado ao divino.

Enquanto isso, os homens “ajudam”, mesmo que as mulheres também saiam diariamente para trabalhar, ao lado deles.

Não é de estranhar em uma sociedade onde os homens foram e seguem sendo ensinados a serem cuidados, a receber cuidados. Nessa relação desigual entre o dar e o receber cuidado, quem só recebe, em geral tem pouca habilidade emocional para dar e cuidar dentro da própria família. Precisamos mudar isso urgentemente.

A sobrecarga física e emocional das mulheres naturalizada socialmente ao longo da vida não começa com o cuidado de um familiar com demência.

“Só” aumenta ano após ano. Principalmente para 65% das mulheres brasileiras que são mães solo. E chefes de família.

Na categoria mães solo estão as mães solteiras, as mulheres separadas/desquitadas e as viúvas.

A maioria das mães solo são mulheres negras e pardas que precisam ter horários flexíveis para trabalhar para dar conta do cuidado familiar e doméstico.

Isso significa menores salários e condições de vida mais estressantes e precárias para toda família. São mulheres que precisam deixar de estudar para sustentar a família. E a baixa escolarização é uma das portas para as demências.

Falar sobre demências é também um convite para que outras pessoas que tenham familiares com diagnóstico confirmado (ou ainda não) participem de grupos de cuidadoras familiares. Do nosso ou de outros grupos de cuidadoras existentes no Brasil.

Existem grupos incríveis, como o Cuida de Mim, da Miriam Morata, em São Paulo, o Alzheimer, Minha Mãe tem – Ana’s, da Ana Heloísa Arnaut, o grupo GaiAlzheimer, da Carmen Ponce, de São Paulo e o Gafa, de Minas Gerais. E muitos outros disponíveis no Instagram e no Facebook.

Apresentar o Coletivo Filhas da Mãe é também apresentar sugestões de projetos de pesquisa, como a multiplicação do estudo sobre o Perfil das Pessoas Idosas com Demências e o Perfil de Cuidadoras realizado no Distrito Federal para todo o país. E para políticas públicas de prevenção e cuidado.

É sugerir campanhas nacionais de informação para população sobre prevenção de doenças, sobre envelhecimento e sobre demências. É propor formação profissional sobre envelhecimento saudável, demências e cuidado em todas áreas da saúde. E também para o cuidado profissional, levando em conta as diferenças regionais.

É propor a ampliação das equipes de atendimento domiciliar para pacientes com demências, mas também para prevenção de saúde das cuidadoras familiares.

É lembrar que as cuidadoras familiares precisam de atualização profissional após a morte do familiar porque pararam a sua vida para cuidar. E que elas têm direito a acrescentar os anos de cuidado à aposentadoria. É isso é muito mais.”

PS: O Seminário foi muito rico. Valhe a pena acompanhar as mesas nos dois dias. O Seminário completo está disponível no canal do YouTube do SUS. Para assistir a fala da Cosette, busque o tempo 5:23:00 no link aqui.

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