Precisamos de Espaços de Fala e Escuta

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Em uma sociedade voltada para a disciplina, produtividade e sucesso, não atingir esses parâmetros, é considerado fracasso ou “anormalidade”.

Somos educadas para obedecer, acatar ordens, conseguir um emprego que garanta segurança. E, principalmente, privilegiar a racionalidade em detrimento aos sentimentos.

Nesse mundo da disciplina, da ordem, da produtividade e do sucesso,  não é admissível perder o controle. Tudo precisa estar organizado, agendado, administrado, previsto e revisto, principalmente na vida das cuidadoras familiares.

Não há espaço para o caos, ainda que ele se manifeste apenas em detalhes cotidianos: na louça por lavar, na cama por fazer, na roupa que não foi arrumada. No banho deixado para o outro dia,  no e-mail não respondido ou nos cursos online que deixados de lado.

Não há espaço sequer para o caos criativo, a não ser que você seja uma artista. Esses “seres quase do outro mundo” abrem espaço para que as ideias, brincadeiras e sonhos que não ousamos falar em voz alta possam se manifestar.

Dentro desses parâmetros de sucesso social, medo, tristeza ou raiva são considerados inadequados, fora dos padrões.

Sentimentos de exposição proibida que, quando mostrados, são considerados como fraqueza e causam preocupação pela “anormalidade”. Ainda mais se persistirem.

Acrescente-se a isso a  noção de culpa introduzida pelas religiões judaico-cristãs. Culpa que há séculos vem sendo reforçada pelas famílias e demais espaços socais.

O resultado são pessoas que, independente da religião, gênero, idade  ou classe social, vivem atormentadas pela culpa de não ser ou fazer o suficiente.

A sociedade da disciplina, da produtividade, do sucesso e, mais recentemente, da tecnologia e da instantaneidade não admite erros, perdedores e pessoas fora dos padrões. Físicos ou emocionais.

No Brasil, o “padrão de perfeição” física é um corpo branco, magro e jovem. Eternamente jovem.

Ainda que no país 54% da população sejam negra e que 57% dos brasileiros e brasileiras estejam com sobrepeso. Ou que seja o quinto país a envelhecer mais rapidamente no mundo.

Ainda assim, com reforço do governo federal, seguimos em um mundo de faz de conta, que mantém invisível grande parte da população.

A grave desigualdade social e econômica, ambiental e de infraestrutura, por outro lado, gera medo e insegurança em relação ao presente e ao futuro.

Todos esses fatores podem abalar a saúde mental, particularmente das mulheres que representam 52% da população. Elas  convivem (e sobrevivem) diariamente com muitas violências, inclusive com o desafio de serem cuidadoras familiares, um trabalho invisível e sem remuneração.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 18,6 milhões de brasileiros e brasileiras, quase 10% da população, sofriam de ansiedade em 2019. Doença que, se não cuidada, pode passar  de uma crise para se tornar um transtorno. Esses números colocam o país no primeiro lugar em casos no mundo.

Em 2017, estudo da OMS apontava que o Brasil era o terceiro país do mundo em casos de depressão, com 11 milhões de pessoas diagnosticadas. Após a pandemia por Covid-19, com o isolamento, as mortes e o luto, esse número cresceu.

Segundo pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e da empresa Vital Strategies, o número de pessoas diagnosticadas com depressão subiu de 9,6% no período prévio à pandemia para13,5%, em 2022.

Tais dados apontam o nível de sofrimento mental da população.

As pessoas necessitam, cada vez mais, de acolhimento e de espaços de fala e escuta, individuais ou coletivos. Espaços que possam ajudar na compreensão de si mesmas e na melhora da qualidade de vida.

Levando em consideração esta realidade, o Coletivo Filhas da Mãe criou um novo projeto: a “Roda de Cuidado e Autocuidado Entre Mulheres Cuidadoras Familiares”, um espaço semanal de fala e eescuta. Um projeto gratuito, graças ao trabalho de profissionais voluntárias e da parceria com o Centro Longeviver que cede a sala.

Os encontros presenciais começam nesta sexta-feira, 09 de setembro, às 10h e se estendem até dezembro, em Brasília. Novas participantes serão aceitas até o final  de setembro. Inscrições aqui.

Trata-se de uma proposta diferente das “Rodas de Conversa” realizadas nas primeiras terças-feiras de cada mês. Lá participantes trocam informações sobre demências e cuidados para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Já a “Roda de Cuidado e Autocuidado Entre Mulheres Cuidadoras Familiares” é voltada para contribuir com a saúde mental de quem cuida.

O projeto é parte da programação do Setembro Roxo 2022, mês de conscientização sobre Alzheimer e outras demências e de estimular a saúde de cuidadoras familiares. Estamos confiantes de que será um importante espaço  de fala, escuta amorosa e acolhimento.

PS: Você já participou do projeto de financiamento coletivo que estamos realizando no site Vakinha? Apoie o Coletivo Filhas da Mãe. Contribuições aqui.

 

 

 

2 thoughts on “Precisamos de Espaços de Fala e Escuta

  1. Esses parâmetros sociais impostos nos fazem sofrer muito. País de tantas belezas naturais com tanta desigualdade social. É parecido com o contraponto que a arte traz nesse caos atual. Esperançar é uma crença e um atitude muito necessária para vencermos as intempéries da vida. Parabéns pela iniciativa de mais uma roda a contribuir para aliviar as angústias de quem cuida. Parabéns pela parceria com a Longeviver, uma instituição que abraça com afeto e competência algumas necessidades das pessoas idosas.

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