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Ministro Rogério Schietti: “Somos um país com tradição de violência e dominação patriarcal”

Publicado em CB.Poder, Eixo Capital, Entrevistas, Notícias

Da coluna Eixo Capital/ANA MARIA CAMPOS

Entrevista: Rogério Schietti, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

 

“Infelizmente a humanidade está doente e os sintomas se agravaram nos últimos anos. Avançamos nas ciências, mas paradoxalmente retrocedemos no âmbito das relações humanas. Somos um país com tradições de violência, de dominação patriarcal e de um machismo que parece não encontrar limites”

 

Em 10 anos de magistratura, o senhor proferiu decisões emblemáticas na defesa dos direitos humanos em matéria penal. Pode escolher uma que considera mais relevante?

Creio que, pelos efeitos que vem produzindo na dinâmica da investigação criminal e pela quantidade de pessoas que foram inocentadas por possíveis erros judiciários, o acórdão relativo ao tema do reconhecimento formal foi o mais impactante. Vínhamos prendendo e condenando pessoas com base em uma prova epistemicamente pouco confiável, pois dependente da memória humana, e quase sempre produzida fora dos parâmetros legais. Era muito comum um jovem, predominantemente negro e morador da periferia, ser condenado a partir de um reconhecimento feito com a exibição à vítima de uma fotografia antiga do suspeito, extraída de redes sociais ou de álbuns existentes em delegacias de polícia, sem qualquer outra prova que pudesse ligar o suspeito ao crime a ele atribuído. Atualmente existe um protocolo, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, que torna mais seguro e idôneo esse tipo de prova, tudo a partir do julgamento do Habeas Corpus nº 598886/SP.

 

Algumas decisões, como a que proíbe abordagens policiais a pessoas consideradas suspeitas sem um motivo concreto, enfrentam resistência e críticas de forças de segurança. Como se sente sendo alvo dessa contestação?

É natural que mudanças encontrem resistências, especialmente quando se passa a exigir, por parte de agentes estatais, um cuidado maior no desempenho de suas funções. Não se trata de atrapalhar o trabalho policial. Muito pelo contrário, o que se pretende é aperfeiçoar e qualificar a segurança pública, estimulando o policial a desempenhar suas funções sempre nos limites da lei e da Constituição Federal. Queremos que as Polícias sejam eficientes no combate ao crime, mas igualmente zelosa no modo de abordar as pessoas que considerem suspeitas de alguma atividade ilícita.

 

Sendo um juiz legalista e garantista, qual a sua opinião sobre a Operação Lava-Jato? Houve excessos?

Acho que a Operação Lava-Jato foi fundamental para marcar o repúdio institucional e social a toda forma de corrupção e outras ilegalidades cometidas por agentes públicos e particulares. Mostrar essa realidade e punir os responsáveis, com o rigor da lei penal, foi um avanço, sem dúvida alguma. Todavia, os excessos cometidos por autoridades que se dedicaram a esse esforço acabaram por enfraquecer essa bandeira, que não pode ser empunhada ao custo de outros desvios de função pública.

 

O senhor migrou do Ministério Público para o Judiciário. Sente-se mais realizado como magistrado?

Tive muito orgulho de pertencer por 26 anos ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e de haver desempenhado as mais diversas funções dessa grandiosa e importantíssima instituição. Guardo ótimas lembranças desse tempo e posso dizer que me realizei como promotor de justiça, procurador de justiça e procurador-geral de justiça. A ida para a magistratura não foi planejada, mas me tem proporcionado os anos mais felizes de minha vida, nos quais pude atuar, ao lado de minha equipe, de modo a efetivamente contribuir para a construção de um sistema de justiça mais equilibrado, racional e justo. Hoje posso dizer que sou plenamente realizado com o que faço, pois não há um só dia em que não me sinta motivado para continuar a cumprir meu papel institucional como ministro do STJ.

 

Como vê a crescente onda de feminicídios. Poderia apontar a causa?

Infelizmente a humanidade está doente e os sintomas se agravaram nos últimos anos. Avançamos nas ciências, mas paradoxalmente retrocedemos no âmbito das relações humanas. Somos um país com tradições de violência, de dominação patriarcal e de um machismo que parece não encontrar limites. Pessoas de todos os níveis sociais cometem atos que fogem de qualquer racionalidade, agredindo, sob variadas formas de violência, suas companheiras e esposas. E o fazem do modo mais covarde e repugnante, muitas vezes na frente dos filhos. Não sei dizer quais são as causas desse comportamento, que contradiz a humanidade que se espera de todo homem, mas certamente entre elas se encontra uma educação e uma cultura que sempre identificaram a relação entre um homem e uma mulher como uma relação de dominação masculina e de submissão da mulher. Isso precisa mudar e cabe a nós, homens, uma permanente vigilância para rejeitarmos esse padrão de comportamento, de modo a legarmos a nossos filhos e netos um mundo no qual mulheres tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades que os homens.

 

Há um movimento entre juízes para que o presidente Lula indique uma mulher para vaga a ser aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Apóia essa bandeira?

Sim, acho uma bandeira legítima e importante para o equilibro de representatividade no STF.